– A coisa mais difícil é você se apaixonar e alguém se apaixonar por você ao mesmo tempo. É difícil. Eu me apaixonei desse jeito umas 4 ou 5 vezes, cara.
– É mesmo?
– Paixão é uma coisa meio estranha.
Escutei esse trecho de conversa numa noite dessas, quando fui ao Tiro Liro. Descendente do já afamado Dona Felicidade, é um bar que existe há quatro anos e fica numa bucólica esquina, na qual os funcionários instalam três ou quatro mesas na calçada, que não atrapalham o tráfego, porque ele praticamente inexiste naquele sobe-e-desce de Perdizes.
– Aí ela foi namorar lá com o mané, né? Um imbecil. Eu me lembro até hoje, cara, das trancinhas dela. Me apaixonei, primeira série, cara, primeira série.
No pequeno salão há mais uma dúzia de mesas, que se espalham de frente para o belo balcão de madeira e granito no qual ficam a chopeira (chope apenas razoável, R$ 3,50) e a vitrina de acepipes (100 gramas, R$ 4,10). Ali chama atenção uma vistosa sardinha a escabeche.
Não encarei uma dessas, mas optei pela fina lingüiça a Augusto (R$ 16,00) que, de modo artesanal, é preparada com carne de porco e pimentão. À mesa, chega misturada com cebola, numa chapa quente. Uma delícia, assim como a caipirinha montada em copo longo (R$ 9,00 com vodca).
O Tiro Liro nunca ficou abarrotado, não é um bar de modinhas. É daqueles refúgios de bairro, protegido das vias mais movimentadas e que normalmente se prestam a uma happy hour calma e a um fim de noite tranqüilo. Tão tranqüilo que serve como cortesia os diálogos de fregueses sensíveis, a exemplo desse dos amigos que falavam de paixão.
– Na oitava série ela começou a sair com o tal mané. Aí veio a decepção: ela ficou grávida do cara!
A eles peço desculpas pela minha bisbilhotice, mas aqui cabe uma explicação pela indelicadeza: adquiri esse hábito de xeretar a conversa alheia por estar muitas vezes sozinho nos bares. Por sugestão de um amigo, expert no assunto, acabei aprimorando esse dom de ouvir o que não queria.
– Anos depois me achou na internet. Agora tem dois filhos. Era das mais inteligentes da escola. Deu dó, sabe?
Com a garrafa de uísque 8 anos já pela metade, os amigos se despedem com um aperto de mãos, que logo se transforma em um abraço. E vão embora, um pela Rua Cotoxó, o outro pela Cajaíba.
– A gente é muito certinho, cara.
Tiro Liro Rua Cotoxó, 1185, Perdizes, tel. 3868-3551. 17h/1h (sáb. 12h/20h; fecha dom).
Acho que o dono do bar contratou os rapazes para conversarem perto de você, e assim surgir esta bela postagem. Muito bom!
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Também tenho esse hábito de escutar conversas etílicas alheias e ficar imaginando a vida dos vizinhos de mesa. Adorei o texto com Perdizes de cenário. Ah, como eu adoro esse bairro!
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