Pequim-São Paulo

Ontem à noite fui à baladinha de lançamento do livro Ping-Pong – Chinês por um mês, do meu amigo Felipe Machado. Editor de multimídia do Estadão, ele compilou uma série de textos que produziu para o jornal no período em que esteve na China, para a cobertura das Olimpíadas.

Pelo que depreendi dos divertidos textos, o autor estava mais interessado em explorar os lugares, os personagens e as histórias mais curiosas de Pequim – e até de Xangai, que deve ser mais ou menos uma Berlim do extremo oriente, por conta de sua efervescência – do que propriamente acompanhar as competições. O que, aliás, é o grande mérito do livro.

Uma das passagens bacanas menciona o bairro de Nanluoguxiang, que é repleta de bares e restaurantes – uma Vila Madalena a 32 horas de distância da versão paulistana. É ali que fica o “Beijing’s Smallest Bar” ou O Menor Bar de Pequim (foto).

Trata-se de um cubículo com 12 metros quadrados, com apenas uma mesa e três lugares. Num país em que tudo maiúsculo e superlativo, não deixa de ser engraçado encontrar um lugar desse.

Não é à toa, portanto, que o Machado tenha escolhido o Bar Secreto ou Bar Sem Nome ou simplesmente Bar para fazer a festa de lançamento.

Sem placa na porta e na base do boca-a-boca, a casa instalada ali na divisa entre Vila Madalena e Pinheiros tornou-se a balada mais comentada de São Paulo nos últimos meses.

Não é bem um bar, mas uma balada, com som muito bom – house, dance music e variações, ontem a cargo dos DJs Chantal, Tadeu e Ad –, estilo clube prive e público boyzinho-querendo-ser-descolado. Para ter acesso à casa, é preciso falar uma senha, colocar o nome em uma lista no site ou ser aceito pela poderosa hostess.

Como eu tinha a senha na ponta da língua, furei a aglomeração na porta, no meio da qual pude ver e ouvir algumas garotas tendo chiliques, já que a hostess selecionava todo mundo – exceto elas.

O bar não é o primeiro que usa desse tipo de expediente para receber o público. Há os que fazem isso de forma dissimulada. Mas, se há algum mérito para a balada de ontem, é justamente o de deixar claras as condições de acesso. É chato, mas os anfitriões estão no seu direito

Para os barrados, convenhamos, tem sempre a democrática Vila Madalena.

O Bar (ou Bar Secreto). Rua Álvaro Anes, 97, Pinheiros. http://www.sitedobar.com

Estarei surdo?

Senti-me feliz e intrigado na tarde de domingo, quando almocei no Chiado da Costela. Feliz porque vi cheia aquela simpaticíssima casa revestida por paredes de tijolos à vista. Sobre a intriga, falo mais adiante.

Lembro-me que ali funcionou por um tempo o saudoso Tanoeiro Bar, que servia um gostoso caldinho de piranha. Dois anos atrás, mais ou menos, cheguei ao então boteco e instalei-me numa mesinha de canto, logo na entrada. Meio de lado, meio de costas para mim, numa mesa no canto oposto, estava um senhor alto, de cabelos grisalhos, bebendo um uísque em copo longo, com gelo.

Sabe quando você tem a impressão que conhece a pessoa de algum lugar? Pois passei por essa situação, até que me dei conta de que o dito cujo era simplesmente Pedro Rocha, o grande craque uruguaio do Peñarol e do São Paulo (clubes que, aliás, podem se trombar na Libertadores da América 2009). Diz a lenda que Pelé teria dito alguma vez que o maior craque a quem desafiou em campo foi Pedro Rocha.

Não me lembro de tê-lo visto jogar, mas lembrei-me de meu pai comentar que o camisa 10 do São Paulo era uma fera, assim como outros jogadores de sua época, como Dicá e Dirceu Lopes.

Passada a boníssima lembrança, agora sim, vou dizer o porquê de ter ficado intrigado. Eu não sabia que costela chiava. Ao menos, nunca prestei atenção a esse fato – será que fiquei surdo?

Paulinho Pellota, dono do Chiado da Costela (e que foi proprietário do Tanoeiro), me conta que em seu bar a costela é temperada apenas com sal grosso, antes de ir ao espeto e ser envolvida no celofane. Passa quatro ou cinco horas no alto da churrasqueira, até sair do envelope para, mais perto do fogo, ser defumada e ganhar aquela suculenta cor dourada.

Se você chegar pertinho da churrasqueira pouco antes de a carne sair do celofane, vai escutar aquele shshshshshh que, na verdade, resulta do aquecimento da gordura – quem garante é o Pellota.

No cardápio da casa há outras carnes bem assadas, a exemplo do galeto al primo canto (R$ 22,40), mas, a bem da verdade, você deve optar pela costela, é claro. Pelo valor fixo de R$ 29,80, pode-se comer à vontade. acompanhada de farofa, arroz, feijão e salada de rúcula com agrião.

Para beber, não arrisquei no chope, fui no garantido: caipirinha (R$ 11,90) bem feita com cachaça Santo Grau. E saí de lá desejando paz na terra aos homens de botequim, como diria o Pellota.

Chiado da Costela. Rua Roque Petrella, 325, Brooklin, tel. (11) 5533-4309.

Relíquia Tricolor

Enquanto o Tricolor Paulista planeja a retomada do Projeto Tóquio, no Chora Menino os torcedores são-paulinos podem sentir o gostinho do que é estar lá do outro lado do mundo, assistindo ao vivo a uma partida do seu clube do coração.

Desde a sexta-feira passada, a parede dos fundos desse boteco acolhedor, instalado na região da Saúde, exibe o ingresso acima, do histórico jogo entre São Paulo e Liverpool.

Não custa lembrar aos palmeirenses e corintianos, mas a partida foi realizada na cidade de Yokohama, em 18 de dezembro de 2005, pela final do Campeonato Mundial de Clubes da FIFA.
O São Paulo sagrou-se tri-campeão mundial, ao vencer o time inglês por 1 a 0, gol do volante Mineiro.

Se a relíquia não interessar aos fãs de outras equipes, convém lembrar que da cozinha da casa saem bons petiscos, como o bolinho de carne empanado na farinha de rosca. Para beber, além das caipirinhas, o chope Eisenbahn de trigo ou o escuro são as opções para brindar – ainda – o hexa.

Chora Menino. Avenida do Cursino, 1302, Cursino, tel. (11) 3729-9643.

Em tempo: em 2009 e 2010, o Mundial de Clube da FIFA deve acontecer nos Emirados Árabes Unidos

Sobre “botecar”

Certa vez, o meu amigo Eduardo Maia lançou – à mesa no Pé Pra Fora – a tese de que o jeito de botecar (botecar = freqüentar botecos) no Rio de Janeiro é diferente do de São Paulo, que é diferente do de Belo Horizonte.

Para os cariocas, pensa o Eduardo, o pecado de um bar é não servir cerveja ou chope bem gelados. Os mineiros não perdoariam um tira-gosto que não tenha um molhinho no qual seja possível passar o pão. E os paulistanos não se importariam mais com o ambiente arrumadinho do que propriamente com a temperatura da bebida ou a qualidade da comida.

Não é bem assim, como sabemos. O que faz o sucesso de um boteco – no Rio, em São Paulo, em Beagá e em qualquer lugar – é justamente o conjunto desses três quesitos. E nas três cidades encontramos botecos simplérrimos mas estupendos, assim como temos bares bonitinhos mas ordinários.

Sinto orgulho de ter em São Paulo, por exemplo, um lugar como o Famoso Bar do Justo, em Santana, com suas porções de lombinho e de tremoço bombando sobre as mesas da calçada e do salão feioso, enquanto a freguesia é abastecida a todo momento da Brahma sempre gelada.

Como fiquei feliz da vida ao conhecer, por intermédio da minha colega blogueira Fernanda Thedim, o Boteco Casual, no centro do Rio. Arrumadinho, sim (e qual o problema?), com chopinho decente e uma porção de polvos estufados que foi das grandes descobertas do ano. Servido numa travessa de alumínio, o molusco vem temperado com alho, azeite, cebola, tomate, vinho branco e conhaque. É inadmissível alguém deixar esse caldinho de lado.

E para você, o que faz a diferença num boteco de verdade?

Boteco Casual. Travessa do Comércio, 26, centro, tel. (21) 2232-0250.

O Famoso Bar do Justo. Rua Alferes Magalhães, 25-29, Santana, tel. (11) 2979-7195.

PS 1: recomendo uma visita ao blog Meu Pé Sujo, que me foi indicado pelo grande Tadeu Nogueira, um dos editores de arte de VEJA. Essa turma faz uma defesa intransigente dos botecos mais simples, de bairro, feiosos – os tais pés sujos, que aqui em São Paulo chamamos de sujinhos e os mineiros conhecem por copos sujos. Nada de chope, só cerveja de garrafa.

PS 2: fiquei feliz ao saber, dias atrás, que o Boteclando foi citado no blog do Juarez Becoza, que fica hospedado no site O Globo Online. Blogueiros boêmios, uni-vos!

Contra a gastromonotonia

Não me lembro exatamente do dia em que parei no semáforo do cruzamento da Apinajés com a Piracuama, em Perdizes, e reparei que a videolocadora e a pizzaria que dividiam o imóvel da esquina não estavam mais ali.

Como a casa da minha mãe fica a três quarteirões daquele ponto, fui acompanhando, aos poucos, a transformação do local no que hoje é o Gabiroba.

Quando o bar foi aberto, três semanas atrás, minha primeira impressão não foi das melhores: “lá vem mais um boteco como tantos outros, desses com cara bonitinha, bebida mais ou menos e que não conseguem servir nada além dos bolinhos de abóbora com carne seca e pasteizinhos de sempre”, pensei.

Pensei e, felizmente, pensei errado. Se a decoração não chega a supreender – basicamente, há um salão com algumas mesas diante de um balcão recuado e um aparelho de TV ligado, cercado por uma varanda em formato de ‘L’–, o cardápio foge da mesmice que caracteriza muitos dos bares de hoje em dia.

Não espero que um bar tenha um daqueles enormes menus de cantina italiana, mas espero sempre por algo novo, uma tendência, um tira-gosto criativo, bem-feito e saboroso. Algo que me tire de uma certa ‘gastromonotonia’ –, com o perdão do neologismo.

Sim, no Gabiroba há saladas, como a ceasar (R$ 16,50), mas aqui ela leva deliciosas fatias de rosbife no lugar do frango. No preparo do rosbife, o chef Davi Costa deixa a peça de lagarto marinando em uma mistura de vinha d’alho e ervas por doze horas. Em seguida, sela na frigideira. A carne resulta em um miolo róseo, suculento, com a parte externa bem-passada e bem-temperada. Ótima opção de entrada.

Uma das especialidades do barman Marcos, por exemplo, é o pisco sauer (R$ 12,90), drinque que combina pisco (destilado de uva moscatel, típico do Peru e do Chile), limão, açúcar, clara de ovo, angostura e gelo. Mas ele, que trabalhou três anos na churrascaria Vento Haragano, também prepara uma boa caipirinha (R$ 11,90).

E tem ainda empadão goiano (recheado com frango, calabresa e palmito, R$ 21,90), siri cremoso (que lembra um escondidinho, coberto por purê de mandioquinha, R$ 24,90) e cinco tipos de lingüiças artesanais recheadas. Esses enchidos são feitos por um dos sócios do bar, de forma artesanal. Além de três variações de toscana (apimentada, frango e fina), há a de erva-doce e a da casa, temperada com vinagrete desidratado. Gostosas, mas poderiam ter menos gordura.

Outros poucos ajustes podem ser feitos na chopeira – o líquido sai da máquina com muito gás – e, a meu ver, no principal, o serviço: as duas pernas da varanda são os lugares mais legais, mas a garçonete informou que era a área reservada aos fumantes. Por que não repartir esse privilégio, deixando uma delas para quem não quer fumaça?

Gabiroba. Rua Apinajés, 1012, Perdizes, tel. (11) 3803-8638.

Torresmo e Pururuca

Quem tiver mais ou menos a minha idade – 30 e poucos anos – há de se lembrar da dupla Torresmo e Pururuca. Esses palhaços, pai e filho, eram figurinhas fáceis em programas infantis da TV no início dos anos 80. De vez em quando, apareciam em circos e em clubes de São Paulo.

Até os cinco ou seis anos de idade, pois é, acreditem, eu achava que Torresmo e Pururuca eram simplesmente os nomes dos meus palhaços prediletos. Pode ser heresia para um filho e neto de mineiras dizer isso, mas no fantástico mundo do Miguelito, também um fã do Chip’s e que sonhava ser motorista de ônibus de viagem, era assim que as coisas aconteciam.

Não sofri nenhuma desilusão quando me dei conta que torresmo pode ser apenas o toucinho do porco cortado em pedaços e frito duas vezes. Mas, vai ver, é por conta desse equívoco da infância que só fui gostar de tutu de feijão e de leitão a pururuca bem mais tarde.

Redimido pelo tempo, hoje considero-me uma espécie de caçador de torresmos – ainda que minha namorada torça o nariz toda vez que, ao comermos uma feijoadinha, encho o prato com essas pequenas porções de gordura retorcida.

Ontem, por exemplo, experimentei uma improvável porção de torresmo de peixe (R$ 22,00), durante o almoço da minha Confraria da Baixa Gastronomia. Foi no restaurante Espaço Tambiú, que fica escondido nos fundos de uma loja de presentes no bairro de Perdizes.

A versão original, me conta o chef Clóvis Freitas, ele fazia com piranha, nos barcos-hotéis de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde trabalhou antes de assumir a cozinha do restaurante paulistano. Aqui, lança mão do pacu. Primeiro, ele retalha o lombo do peixe, com espinha e pele. Depois, tempera com sal, pimenta e vinho branco, passa na farinha de trigo e leva ao óleo bem quente, por dois minutos.

Outro lugar que tem uma interpretação criativa, digamos assim, de uma receita tradicional, é o Frango Com Tudo, em Santa Cecília – já escrevi sobre o bar neste blog; leia aqui. A casa faz uma deliciosa porção de pururuca de frango (R$ 8,00): pele da ave temperada, frita e salpicada de alho frito. Nada pode ser mais perfeito para acompanhar uma cervejinha do que isso, eu garanto.

Já a Tião Lanchonete, em Jacareí, deveria ser tombada. Ou melhor, o torresmo da casa, de dois dedos de largura por 20 centímetros (EU DISSE 20 CENTÍMETROS!) e comprimento, seguramente o maior do Brasil, merece um registro no Guinness, caso exista um verbete “torresmo” na publicação. Segundo Sebastião de Oliveira, o Tião, ele só usa barriga de porco para fazer o petiscão. Como acompanhamento, “a turma pede limão e farinha”, diz. A unidade sai a R$ 3,00.

E para não dizer que não falei de torresminho, o legítimo, convém dizer que o melhor de São Paulo é frito no Mocotó (foto), eleito o melhor restaurante da cidade na categoria “Bom e Barato”, pelo júri da edição especial Comer & Beber, da Veja São Paulo. Custa R$ 1,90 cada; a porção de croûtons de torresmo sai a R$ 5,90.

No preparo, o chef Rodrigo de Almeida mergulha a barriga do porco numa solução de água com bicarbonato de sódio por seis horas. Escorre a carne e a deixa pendurada num secador a 60 graus, por mais três horas. Depois de aparada, para que cada torresmo apresente uma perfeita combinação de pele, gordura e carne, a peça é cortada e frita a 150 graus por 15 minutos. Em seguida, vai ao tacho novamente, a 190 graus, por três minutos, para “pururucar”.

Ferran Adrià aprovaria, ou melhor, aprovou.

Espaço Tambiú. Rua Diana, 381, Perdizes, tel. (11) 3801-2793.

Frango com Tudo. Rua Canuto do Val, 115, Santa Cecília, tel. (11) 3338-2525.

Mocotó. Avenida Nossa Senhora do Loreto, 1100, Vila Medeiros, tel. (11) 2951-3056.

Tião Lanchonete. Avenida Santa Helena, 524, São João, Jacareí, tel. (12) 3952-2069.

Em tempo: Torresmo (na foto) morreu em 1992, aos 74 anos. Pururuca arranjou outro parceiro, o Mingau.