A cultura de boteco se faz da comida, da bebida, dos ambientes e sobretudo dos personagens que nos ajudam a contar a história desses estabelecimentos que tanto admiramos.
São garçons, fregueses, funcionários, bebuns, boêmios e o último dos moicanos, o que zela pela qualidade, digamos, líquida da casa: o barman.
Num momento em que a coquetelaria está super em alta, pelas mãos hábeis de barmen jovens, tatuados, com visual hipster e, a bem da verdade, talento para elaborar coquetéis criativos – embora muitos deles errem, com o perdão do trocadilho, na dose de vez em quando, eu me volto para a figura do barman clássico.
Aquele sujeito que, sim, tem a mão equilibrada para preparar bloody marys, mojitos, bull shots e negronis perfeitos.
Mas que está ali atrás do balcão cuidando com um carinho de mãe dos apetrechos, passando um pano nas garrafas como quem limpa o rosto suado de um filho – opa, deixa eu voltar!
E mais e melhor do que qualquer enfermeiro ou terapeuta, está ali para aliviar seu resfriado com um Irish Coffee quentinho, te consolar depois de um pé na bunda com um shot de um bom Bourbon e te cumprimentar pela volta do seu São Paulo às vitórias.
Quem nunca?
Pois eu quero prestar aqui reverência a dois dos melhores barmen de São Paulo, que eu tive o prazer de reencontrar recentemente.
Um deles é Derivan Ferreira, o mestre Derivan (acima), sempre impecável dentro de um summer, nó da gravata perfeito, e a serviço da tristeza, da alegria, da sede do cliente que se senta à frente dele no balcão. Professor de gerações de barmen – o Souza, grande fazedor de caipirinhas do Veloso, por exemplo, foi descoberto pelo Derivan – ele faz um Dry Martini impecável.
O Dry Martini está para o barman assim como o torresmo está para o cozinheiro do bar: é o teste de fogo. Ou sabe fazer ou… sabe fazer.
O Derivan hoje é o barman titular do Numero, que está longe de ser um boteco, ao contrário, é um bar-balada em pleno bairro dos Jardins. Você merece provar um Dry Martini ou um Gim tônico feitos pelo Derivan, mesmo que tenha de munir-se de um par de protetores auriculares.
O outro barman é o Alfredo Martins, que é um dos sócios do restaurante italiano Totò, na Vila Olímpia.
Olha que engraçado, o filho do Derivan trabalhou com ele muitos anos, inclusive.
O Totò é um dos meus restaurantes preferidos, que marcou dois dos melhores momentos da minha vida: ele fica pertinho da maternidade onde nasceram minhas filhas. Fiz ali a última refeição e tomei o último drinque antes que elas nascessem – e quando nasceu minha caçula, a mais velha me acompanhou em um pratão de linguine carbonara de massa fresca produzaida ali.
O Alfredo é um monstro no preparo da caipirinha, um artesão, quase um místico.
É ele quem vai ao sacolão e escolhe as frutas, da estação ou não, com que vai montar suas caipirinhas. E deixa tudo preparadinho, bonitinho em potes no balcão de trabalho.
O Alfredo usa uma cahaça do sul de Minas, a João Mendes, como base da caipirinha. Gosto muito da de 3 limões (cravo, siciliano e taiti), que ele chama de Trilimão (foto no alto deste post).
Mas, como eu disse, mais do que um fazedor de drinques, ele é daqueles caras que, sem tirar o olho da fruta sendo cortada pela faca afiadíssima, troca uma boa ideia com quem chega ao balcão.
No balcão em forma de U, eu gosto de sentar no cantinho, banqueta alta, e pedir uma, duas, quantas caipirinhas eu conseguir tomar (ok, com uma porçãozinha de croquete de alho-poró – enquanto espero por uma mesa.
Numero. Rua da Consolação, 3585, Jardins
Totò. Rua Doutor Sodré, 77, Vila Olímpia