Uns meses atrás, em Lisboa e na companhia de bons amigos que tenho em Portugal – os lisboetas que não me leiam mas eram todos portistas -, vivi uma das minhas mais surpreendentes experiências gastronômicas, ao ter sido convidado para um jantar num lugar chamado Cozinha Popular da Mouraria.
A Cozinha Popular da Mouraria é um lugar que oferece refeições aos pobres, a refugiados e desamparados. Refiro-me, aqui, a comida das boas. Nessa ocasião, noite de domingo, alguns dos melhores chefs portugueses iria cozinhar para nosso grupo. Melhor dizendo, iria cozinhar uns para outros e nós teríamos o prazer de participar desse festim. Seríamos como que intrusos, num ambiente em que eles não teriam de se preocupar com medidas de ingredientes, com clientes ansiosos, nada disso. Estariam ali pela delícia de cozinhar.
E assim foi. Nessa orquestra comandada pelo chef Rui Martins estavam, por exemplo, José Julio Vintém, que até se aventurou anos atrás num restaurante no Recife, mas voltou ao Alentejo e abriu uma tasca (um boteco); e o André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, um dos melhores restaurantes de Lisboa e no qual comi coisas muito diferentes quando lá estive em 2016 – ele é angolano e prepara coisas de seu país natal.
Éramos umas 40 pessoas, num clima espetacular, de comunhão.
Nós, os intrusos, levamos garrafas de vinho, taças e os chefs entraram com a comida. Uma peça de chuletão brilhantemente assada, linguiça, um arroz de pato rico, pães e mais pães.
Ali eu tive, uma vez mais, uma aula de gastronomia no sentido de que é possível aproveitar de tudo, de todas as partes de um animal, quando ele é utilizado para nossa alimentação.
Em dado momento, André Magalhães, com sua boina de lado à la Michael Jackson nos anos 70, apareceu no salão com colher de pau e panela na mão, a oferecer a nós uma mistura curiosa: cabeça de porco ao molho de miolos do próprio animal, a “mioleira”.
Há diversas maneiras de se preparar os miolos (o cérebro, para os mais céticos), a alentejana, em pedacinhos empanados. E há inúmeras maneiras de aproveitar a carne da cabeça de porco: as bochechas, a pele, cada pedacinho mais delicioso que o outro – conforme pude testemunhar e comer mais de uma vez, entre elas a ocasião da foto abaixo, em 2015, na quinta de um amigo em Ponte de Lima, região do Minho, norte de Portugal.
Voltando àquela mioleira preparada pelo André, essa trazia os pedaços enlameados em um molho grosso, com muitas especiarias, limão, com uma textura como se fosse a de um curry.
Uma delícia, perfeita para ser “xuxada” em uns nacos de pão. O que fiz.