Feliz Ano Novo! *

 

Chope Brahma  no Léo: R$ 6,90 / Foto: Miguel Icassatti

Chope Brahma no Léo: R$ 6,90 / Foto: Miguel Icassatti

 

Ei, você, meu caro paulistano que deixou a cidade para curtir, bem longe, as festas de Natal e de Réveillon: não deixe para 2015 o que você pode fazer agora!

Torne real, já!, aquela sua resolução de Ano Novo, decidida ali, entre aquelas sete ondinhas que você pulou dias atrás. Sim, vá morar na praia! Sim, volte àquela vidinha tranquila no interior! Esta é a sua chance! Não adie seu sonho, escute o que eu digo e fique onde está! De Santos a Araçatuba, de Franca a Apiaí, passe bem longe de São Paulo, desvie pelo rodoanel e risque a cidade do seu mapa!

Putz, você teve de voltar ao trabalho nesta segunda, dia 6? Sem problemas! Esqueceu que já existe Skype? Facebook? E-mail? E que você pode programar as contas a pagar no serviço de débito automático de seu banco? Ou pelo site? Ou pelo celular?

Exercite sua pró-atividade e proponha a seu chefe: se você trabalhar em esquema home (ou beach home) office, quanto a empresa não vai economizar? Melhor ainda: que tal convidá-lo a experimentar essa nova modalidade de trabalho? Como dizia o Chorão, seu escritório pode ser a praia! Se o chefinho topar, você ainda vai ganhar um aumento. Certeza!

São Paulo está insuportavelmente quente nestes primeiros dias de 2014 – os termômetros da Avenida Sumaré, às 18h30 de sexta passada, marcavam inacreditáveis 34 graus! E não é que eu vi uns malucos fazendo cooper àquela hora – tadinhos, não têm praia par se refrescar —, e bem ali ao lado do corredor de ônibus?

Corredor de ônibus!? Taí mais um motivo – na verdade, 300 quilômetros de motivos, segundo o Haddad – para você não arredar o pé do calçadão de Pitangueiras ou da areia fofinha do Posto 9. Já pensou em ter de encarar todo aquele trânsito de dezembro de novo? Bate na madeira, né?

Tenho certeza que se você resolver voltar para essa maltrapilha Pauliceia, vai se decepcionar um bocado: muitas lojas e bares e restaurantes estão fechados. Nos estabelecimentos que estão abertos, veem-se várias mesas vazias. Eu juro! Nada a ver com São Paulo, certo?

Na mesma sexta-feira passada, fui ao Bar Léo, no centrão, e, pela primeira vez na minha vida, consegui sentar-me à mesa, e sem ter de esperar nenhum segundinho! Convenhamos, boteco sem aquele fervo tipicamente paulistano não tem a menor graça, né, não? Sem contar que o preço do chope, R$ 6,90, está pela hora da morte. Ao menos o canapé blumenau foi feito na hora (de linguiça moída crua, R$ 30,00 a porção)…

Ok, ok, eu sei que os ambulantes aí na Barra do Sahy devem estar cobrando os olhos da cara pela latinha de Heineken, mas, veja, depois do carnaval o preço vai baixar. Aqui em São Paulo, você sabe, isso não vai acontecer nem que a vaca tussa! Quando aquele italianinho que você gosta for reaberto, prepare-se: o cardápio estará reajustado, o manobrista vai te cobrar 20 paus e ainda vai estacionar seu Jetta na rua de trás – e em fila dupla.

E olha que coisa mais anticlímax: você passou a virada em Copacabana (mesmo sem o beijaço prometido), Trancoso, Paris, Punta…  E daqui a pouco vai ter de encarar a realidade das gravatas da Faria Lima, do mundaréu de gente nos trens da linha amarela… Precisa? Não, né? Continue vivendo seu sonho de verão, transforme sua vida num eterno sabático e recomece sua vida bem longe da 25, do Largo 13, da 23, da 9 de Julho (que está em obras) e de todos esses logradouros numéricos que só te causam urticária a cada vez que a repórter da rádio Sul América informa as condições do trânsito.

Aproveite a onda da Copa do Mundo para, por exemplo, abrir um negócio em Cuiabá. Arrende umas terras, monte uma pousada, aprenda a falar inglês e espanhol. Afinal, Chile e Austrália vão jogar na Arena Pantanal e você pode faturar uma boa grana ao receber bem essas duas torcidas. Com essa grana, quem sabe, você já não concebe uma sementinha para um novo empreendimento focado, por exemplo, nos Jogos Olímpicos do Rio 2016? Rio = praia = resolução-de-ano-novo-agora, nunca é demais lembrar!

E em vez de ficar meio jururu ao relembrar pelo instagram ou o face da balada sen-sa-ci-o-nal da virada em Jurerê, meu amigo, pare e pense: pra quê voltar? A qualidade de vida em Floripa não é demais? O povo não é lindo? Então… #ficaadica!

Do fundo do meu coração, torço para que você realize sonho de ir-se embora São Paulo. Feliz Ano Novo!

Bar Léo. Rua Aurora, 100, centro, tel. (11) 3221-0247.

*Este texto foi publicado originalmente no meu blog Guidemig. Na versão acima, acrescentei algumas correções ortográficas e de pontuação e atribuí outro título.

Bem-vindo de novo, Bar Léo

Azulejo nas paredes do bar / Foto: Miguel Icassatti

Continuo achando mal contada a história do chope Ashby vendido como se fosse Brahma, e que motivou a interdição do Bar Léo no dia 30 de março passado e a autuação do então gerente e da proprietária à época.

O vendedor ou o distribuidor da Brahma que atendia o local à época não teria percebido uma eventual redução na quantidade de barris comprados pela casa? Esta talvez seja a pergunta de 1 milhão de dólares para quem quiser saber por quanto tempo a antiga administração do bar enganou a freguesia.

Mas, como dizem, essas são águas passadas.

Afinal, o Bar Léo foi reaberto anteontem, no mesmo número 100 da Rua Aurora, onde foi inaugurado em 1940. O boteco agora é gerido pelo grupo Fábrica de Bares, que pertence a Alvaro Aoas, empresário que revitalizou outro célebre ponto da boemia de São Paulo, o Bar Brahma, na esquina das avenidas São João e Iprianga, doze anos atrás.

Estive lá ontem à noite e pude conferir que, felizmente, Aoas teve o cuidado de não mexer na decoração. Se muito, tirou um pouco do pó das garrafas de riesling doce que ficam perfiladas numa das prateleiras coladas à parede do salão. Também estão lá as mesas de tampo de fórmica vinho, as pesdas cadeiras, os quadros, as canecas de cerâmica.

“O que mudou mesmo foi só preço do chope”, brinca Luiz de Oliveira, figura mais ilustre das história da casa que, aos 91 anos, continua dando expediente ali, ora tirando chope (R$ 6,50, mesmo preço do inigualável bolinho de bacalhau servido às quartas e sábados), ora preparando um pratinho de canapés meio blumenau meio rosbife (R$ 27,00).

Luiz conta que ele próprio recrutou novamente parte dos ex-funcionários que estão de volta à casa. Nessa turma está Fernando Lopes, o gatilho mais rápido do centro na hora de tirar o chope – Brahma, de verdade, e impecável. A eles juntaram-se funcionários de confiança dos novos administradores.

Chope Brahma, o legítimo / Foto: Miguel Icassatti

Entre as novidades, registre-se que uma comanda está substituindo as bolachas na hora de fazer a contagem dos chopes consumidos pelos clientes.

E deve-se louvar o fato de que a partir de agora o horário de funcionamento se estende até as 23 horas de segunda e sexta e até as 20 horas aos sábados – uma pequena mas bem-vinda, talvez, contribuição para que aquele pedaço colado à cracolândia traga um pouco mais de vida ao pedaço.

Fernando Lopes e a chopeira histórica / Foto: Miguel Icassatti

No mais, tudo continua como está. Inclusive a prodigiosa memória do Sr. Luiz Oliveira, que recebe os fregueses mais antigos pelo nome.

Luiz Oliveira e o blogueiro / Foto: Marcos Santo Mauro

Bar Léo. Rua Aurora, 100, Santa Ifigênia, tel. (11) 3221-0247. www.barleo.com.br.

Vamos copiar os cariocas: boteco é Patrimônio Cultural

 

Bar Brasil / Foto: Semi Yassuda

 
Não sei de quem foi a ideia, mas ela é genial: hoje termina no Rio de Janeiro o 1º Seminário Internacional do Bar Tradicional, que discute, entre outros assuntos, a história, o clima e o espaço dedicado aos botequins. O apocalíptico tema “Crise atual e estratégias de preservação” vai fechar o evento nesta tarde, que acontece na Estudantina (Praça Tiradentes, 81, centro).

Calma, gente, vamos tomar uma gelada? Não sei qual será a conclusão dos debatedores, mas os bares tradicionais não estão em crise nem no Rio nem em São Paulo ou em qualquer outro canto do país. Uns morrem, é verdade, outros nascem já clássicos, outros sobrevivem por décadas. Assim é a vida, certo?

Tanto não há crise, graças a Gobbo, o anjo protetor dos bares, que doze endereços tradicionais do Rio de Janeiro passam a ser considerados Patrimônio Cultural da Cidade, de acordo com decreto assinado na abertura do seminnário, ontem, pelo prefeito Eduardo Paes. Os mais jovens da lista estão na ativa desde a década de 1930! São eles:

Café Lamas (viva o filé à oswaldo aranha!), Bar Luiz (chopinho e salsichão, que combinação!), Nova Capela (cabrito na madruga), Restaurante Pastoria, o “28” (mais cabrito), Casa Paladino (e sua omelete de bacalhau), Adega Flor de Coimbra (b’linhux d’ b’c’lhau!), Armazém Senado (tremoço e azeitona pra acompanhar a cerveja), Bar Brasil (chope centenário), Bar Lagoa (que lindo!), Cosmopolita (aqui o embaixador do Brasil nos EUA Oswaldo Aranha inventou o… filé à oswaldo aranha), Armazém São Thiago (e aquela polpetta, hein?) e Adega Pérola (sushi de português, isto é, sardinha marinada e enrolada).

Pois terá meu voto nas eleições municipais paulistanas de 2012 o candidato honesto, capaz, comprometido com o ideal de fazer de São Paulo uma cidade melhor e que tiver ideia semelhante a essa dos cariocas, ou seja, de valorizar os botecos e restaurantes mais antigos e tradicionais como um Patrimônio Cultural local. Para dar uma mãozinha, vai aqui a minha lista, também com 12 indicados e seu respectivo ano de abertura. Como critério de seleção, além de minha preferência pessoal, adotei a idade: Todos são mais velhos do que este blogueiro.

1. Bar do Alemão (1968), sanduba de rosbife, samba e choro à paulistana.

2. Bar do Vito (1942), roll-mops (sardinha na salmoura) e cerveja.

3. Bar do Luiz Fernandes (1970) e os bolinhos de carne e de bacalhau feitos pela Dona Idalina.

Bar do Luiz Fernandes / Foto: Mario Rodrigues

 

4. Bar do Luiz Nozoie (1962) e as cervejas mais bem geladas da cidade.

5. Elídio Bar (1973), o balcão de petiscos merece um tombamento à parte. Mas eu quero a versão antiga do bar de volta!

6. Estadão (1968), o melhor sanduíche de pernil deste lado do universo.

7. Frevo (1956), depois do cinema, sempre.

8. Jabuti (1967). Polvo à vinagrete e estamos conversados.

Jabuti / Foto: Gustavo Lourenção

 

9. A Juriti (1957). Rãs e batidas de coco.

10. Léo (1940), o chope. O bolinho de bacalhau. As manhãs de sábado. E seus descendentes Barão e Amigo Leal.

11. Moraes (1929) e seu filé.

12. Pé Pra Fora (1970), a melhor varanda e o melhor filé aperitivo.

13 (…putz, errei na conta!). Valadares (1962), batata serragem e cerveja para fazer descer os testículos de boi.

E para você, que boteco mereceria o título de Patrimônio Cultural paulistano?

As ilhas do Centro de São Paulo

Sala São Paulo / Foto: Daniel Kfouri

 

Na noite de sábado fui  à Sala São Paulo assistir ao concerto da Britten Sinfonia, uma orquestra de câmara baseada na Inglaterra, que se apresentou com o tenor inglês Allan Clayton e o carismático violinista e regente finlandês Pekka Kuusisto.

Qualquer que seja a atração, um programa na Sala São Paulo é sempre uma experiência bacana, embora toda vez eu saia de lá com a impressão de que acabei de deixar uma ilha, à qual só se pode chegar, de forma segura, de carro ou de táxi.

Desta vez, fiquei acomodado no coro, ou seja, no alto e atrás do palco, de frente para a plateia, posição que me proporcionou observar a sala de concertos por um ângulo que eu desconhecia.

Infelizmente, o café existente naquele piso, no mezanino, estava fechado.

Felizmente, isso me obrigou a descer na hora do intervalo até o café no andar térreo e a rever o belo saguão de entrada, com seu pé-direito altíssimo (quase tão bonito quanto a própria sala de concertos).

Dali pude observar de relance o pouco movimento na Praça Júlio Prestes e a lamentar o fato de que passados doze anos de sua inauguração, a Sala São Paulo continua sendo, sim, uma ilha limítrofe com a Cracolândia.  Mas, não, a única.

Ok, há planos para que a área onde ficava a antiga rodoviária, e que mais recentemente deu lugar a um shopping, venha a ser a sede da São Paulo Companhia de Dança. Mas isso deve demorar uns bons anos, já que atualmente o que se vê ali é um terreno cercado por alambrado. Um olhar mais atento por entre os losangos de arame focará os zumbis alheados, zanzando pela Rua Barão de Piracicaba. Muito, muito triste.

Durante o dia, até me arrisco a circular pela região a pé, como nos sábados em que resolvo tomar um chope no Bar Léo. Ou como fiz muitas e muitas vezes na adolescência, época em que voltava à pé da Galeria do Rock ao Pari, passando pela Avenida Duque de Caxias, o antigo prédio do Dops (atual Estação Pinacoteca), a Estação da Luz (que, além de abrigar o Museu da Língua Portuguesa, também está linda!), o Parque da Luz (mais bem cuidado também) e a Pinacoteca do Estado.

À noite, hoje em dia, o que me sobra é lamentar por quem vive ali, pela decrepitude da vizinihança e a falta de segurança, fechar os vidros, engatar a segunda e acelerar.

Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16, (11) 3223-3966.