Del Mar, eterno

 

Coleção de microlatinhas, o bolinho de bacalhau e o salão do Del Mar / Fotos: Miguel Icassatti

Confesso, sou daqueles que e romanceia e vê poesia no centro de São Paulo, ainda que reconheça que anda mal cuidado e sujo – e há muito tempo. Mas o centro de São Paulo é a região mais legal da cidade, disso não tenho dúvida, especialmente para beber e para comer.

E não me refiro às boas novidades, não, mas a lugares clássicos, aos quais sempre retorno para conferir como andam.

Um desses lugares que me fazem voltar sempre ao centro é o Del Mar. Foi aberto em 1982, e fica muito perto do pai de todos os botecos paulistanos, o Bar Leo, ali na região da Santa Ifigênia (que bobagem, aliás, essa história de Bar Leo na Vila Madalena…).

Trata-se, vamos dizer, de um boteco com cardápio à espanhola e chope à brasileira – para mim, é um dos 5 melhores chopes do mundo, não tenho dúvida.

Espuma cremosa, lisinha, colarinho largo, leve amargor, perfeito.

Os comes merecem atenção: a começar pela lula recheada, que vem em porção de 4 unidades. Elas vêm recheadas com os próprios tentáculos, com alho poró, pão preto e uma redução de vinho branco.

O nome, Del Mar, embora faça de alguma forma referência à especialidade da casa – que é a paella valenciana, a 69 reais, repleta de frutos do mar, num prato para duas pessoas, servida no almoço de segunda a sábado – é a mistura dos nomes dos fundadores, o Delta e o Mario.

Um deles morreu há uns 20 anos, o outro passou o negócio adiante e o boteco segue firme e forte, embora tenha deixado para trás alguns itens do cardápio, dos quais eu gostava muito, caso do puchero e dos bolinhos de bacalhau em miniatura, que eram simplesmente espetaculares.

Hoje o bolinho é vendido em porção de 8 unidades,  e são gostosos, sim – aliás, eu dou uma de Migué toda vez que vou lá e pergunto pro garçom: “Então, vocês não fazem mais aqueles minibolinhos de bacalhau deliciosos?”

Vai que um dia voltam a fazer, né?

Del Mar. Rua dos Andradas, 161, Santa Ifigênia (centro).

 

Bem-vindo de novo, Bar Léo

Azulejo nas paredes do bar / Foto: Miguel Icassatti

Continuo achando mal contada a história do chope Ashby vendido como se fosse Brahma, e que motivou a interdição do Bar Léo no dia 30 de março passado e a autuação do então gerente e da proprietária à época.

O vendedor ou o distribuidor da Brahma que atendia o local à época não teria percebido uma eventual redução na quantidade de barris comprados pela casa? Esta talvez seja a pergunta de 1 milhão de dólares para quem quiser saber por quanto tempo a antiga administração do bar enganou a freguesia.

Mas, como dizem, essas são águas passadas.

Afinal, o Bar Léo foi reaberto anteontem, no mesmo número 100 da Rua Aurora, onde foi inaugurado em 1940. O boteco agora é gerido pelo grupo Fábrica de Bares, que pertence a Alvaro Aoas, empresário que revitalizou outro célebre ponto da boemia de São Paulo, o Bar Brahma, na esquina das avenidas São João e Iprianga, doze anos atrás.

Estive lá ontem à noite e pude conferir que, felizmente, Aoas teve o cuidado de não mexer na decoração. Se muito, tirou um pouco do pó das garrafas de riesling doce que ficam perfiladas numa das prateleiras coladas à parede do salão. Também estão lá as mesas de tampo de fórmica vinho, as pesdas cadeiras, os quadros, as canecas de cerâmica.

“O que mudou mesmo foi só preço do chope”, brinca Luiz de Oliveira, figura mais ilustre das história da casa que, aos 91 anos, continua dando expediente ali, ora tirando chope (R$ 6,50, mesmo preço do inigualável bolinho de bacalhau servido às quartas e sábados), ora preparando um pratinho de canapés meio blumenau meio rosbife (R$ 27,00).

Luiz conta que ele próprio recrutou novamente parte dos ex-funcionários que estão de volta à casa. Nessa turma está Fernando Lopes, o gatilho mais rápido do centro na hora de tirar o chope – Brahma, de verdade, e impecável. A eles juntaram-se funcionários de confiança dos novos administradores.

Chope Brahma, o legítimo / Foto: Miguel Icassatti

Entre as novidades, registre-se que uma comanda está substituindo as bolachas na hora de fazer a contagem dos chopes consumidos pelos clientes.

E deve-se louvar o fato de que a partir de agora o horário de funcionamento se estende até as 23 horas de segunda e sexta e até as 20 horas aos sábados – uma pequena mas bem-vinda, talvez, contribuição para que aquele pedaço colado à cracolândia traga um pouco mais de vida ao pedaço.

Fernando Lopes e a chopeira histórica / Foto: Miguel Icassatti

No mais, tudo continua como está. Inclusive a prodigiosa memória do Sr. Luiz Oliveira, que recebe os fregueses mais antigos pelo nome.

Luiz Oliveira e o blogueiro / Foto: Marcos Santo Mauro

Bar Léo. Rua Aurora, 100, Santa Ifigênia, tel. (11) 3221-0247. www.barleo.com.br.

As ilhas do Centro de São Paulo

Sala São Paulo / Foto: Daniel Kfouri

 

Na noite de sábado fui  à Sala São Paulo assistir ao concerto da Britten Sinfonia, uma orquestra de câmara baseada na Inglaterra, que se apresentou com o tenor inglês Allan Clayton e o carismático violinista e regente finlandês Pekka Kuusisto.

Qualquer que seja a atração, um programa na Sala São Paulo é sempre uma experiência bacana, embora toda vez eu saia de lá com a impressão de que acabei de deixar uma ilha, à qual só se pode chegar, de forma segura, de carro ou de táxi.

Desta vez, fiquei acomodado no coro, ou seja, no alto e atrás do palco, de frente para a plateia, posição que me proporcionou observar a sala de concertos por um ângulo que eu desconhecia.

Infelizmente, o café existente naquele piso, no mezanino, estava fechado.

Felizmente, isso me obrigou a descer na hora do intervalo até o café no andar térreo e a rever o belo saguão de entrada, com seu pé-direito altíssimo (quase tão bonito quanto a própria sala de concertos).

Dali pude observar de relance o pouco movimento na Praça Júlio Prestes e a lamentar o fato de que passados doze anos de sua inauguração, a Sala São Paulo continua sendo, sim, uma ilha limítrofe com a Cracolândia.  Mas, não, a única.

Ok, há planos para que a área onde ficava a antiga rodoviária, e que mais recentemente deu lugar a um shopping, venha a ser a sede da São Paulo Companhia de Dança. Mas isso deve demorar uns bons anos, já que atualmente o que se vê ali é um terreno cercado por alambrado. Um olhar mais atento por entre os losangos de arame focará os zumbis alheados, zanzando pela Rua Barão de Piracicaba. Muito, muito triste.

Durante o dia, até me arrisco a circular pela região a pé, como nos sábados em que resolvo tomar um chope no Bar Léo. Ou como fiz muitas e muitas vezes na adolescência, época em que voltava à pé da Galeria do Rock ao Pari, passando pela Avenida Duque de Caxias, o antigo prédio do Dops (atual Estação Pinacoteca), a Estação da Luz (que, além de abrigar o Museu da Língua Portuguesa, também está linda!), o Parque da Luz (mais bem cuidado também) e a Pinacoteca do Estado.

À noite, hoje em dia, o que me sobra é lamentar por quem vive ali, pela decrepitude da vizinihança e a falta de segurança, fechar os vidros, engatar a segunda e acelerar.

Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16, (11) 3223-3966.

O ovo da dona onça

Salão do Bar da Dona Onça / Foto: Raul Zito

“A partir de agora e por todo o tempo que você permanecer no bar, seremos responsáveis pela sua felicidade”. Estão vendo a lousa no canto superior esquerdo da foto que mostra o Bar da Dona Onça? Pois bem, a frase que começa este texto estava escrita ali, como que dando boas-vindas a quem chegasse à casa.

No domingo passado, depois de ter ido à exposição do artista gráfico holandês Escher no Centro Cultural Banco do Brasil, centrão de São Paulo, parei para um almoço tardio no Bar da Dona Onça, que não visitava há um ano ou mais.

Fiquei contente por ver a casa cheia em pleno domingão, quando a região central costuma ficar vazia e tristonha. Passava das 3 e meia e havia apenas duas mesas vagas. Estava curioso para finalmente provar algumas das receitas que ainda não conhecia no novo cardápio.

Veja também: o centro histórico de São Paulo, do viajeaqui

Tive a sorte de conseguir pedir a última porção de minissanduíche de carne moída temperada com azeitona e ovo cozido (R$ 24,00, com três unidades), uma versão graciosa do buraco quente, o velho pão com carne moída.

Para acompanhar o almoço, minha ideia era pedir um vinho, mas confesso que fiquei assustado com os preços. Meia-garrafa do argentino Catena malbec está custando, ali, R$ 54,00! Acabei optando por uma garrafa da cerveja Colorado Indica, R$ 19,00 e arrematei a refeição com o Terranova shiraz, produzido pela vinícola Miolo no Vale do Rio São Francisco, divisa de Bahia com Pernambuco, pelo qual paguei justos R$ 9,00 a taça.

Dividi com Camila um prato de arroz de bacalhau, que nos pareceu apetitoso. À mesa, ele chegou em dois pratos de alumínio, tipo caçarola, em quantidades que, se não generosas, suficientes para nos deixar satisfeitos. Sobre o prato de Camila veio o ovo da segunda foto deste post.

Mal a garçonete desejou-nos bom apetite, elogiei a belezura daquele ovinho frito (na hora que postei a foto abaixo no facebook não havia rolado a parte chata da história…) e brinquei, “pô, só veio pra ela?”

O ovo de R$ 4,00

Ao perceber minha vontade de provar daquele ovinho de gema quase molinha, a garçonete disse que iria ver com o chef se ele fritaria um para mim. Fiquei feliz da vida com a gentileza dela.

Pois é, não foi uma gentileza, conforme eu veria na hora em que a conta chegou. Por esse ovo extra, cobraram-me R$ 4,00.

Situações como essa me deixam beeeeem chateado. Irritado. Mal-humorado. Afinal, 1. eu não pedi pelo ovo; 2. a garçonete não me entregou o cardápio para que eu conferisse o preço; 3. não me falou que eu teria de pagar por algo que ela própria havia me oferecido (para efeito de comparação, ela me perguntou se eu iria querer o couvert…); 4. conclusão: fiquei com a nítida impressão que ela (ou o caixa) deu-me claramente um “migué” para cima de mim.

Paguei a conta, deixei os 10% do serviço, dei uma última olhada no que estava escrito na lousa e pensei: comi muito bem, como das outras três vezes em que estive ali. Mas não fiquei feliz.

Bar da Dona Onça. Avenida Ipiranga, 200, Centro, tel. (11) 3257-2016.

Moraes, um herói da resistência

A foto que acompanha este texto foi tirada em 2002, segundo informa o Dedoc, o centro de documentação da Editora Abril.

Mas poderia ter sido clicada na tarde do sábado passado, antes da chuva, quando almocei no Moraes, o “Rei do Filet”.

Mais antigo restaurante paulistano especializado em carnes, o endereço foi inaugurado em 1929 na Praça Júlio Mesquita, no centro, e mantém hoje uma filial na Alameda Santos. Sua pré-história dá conta que descende de um certo Esplanadinha, originalmente aberto na Rua Conselheiro Crispiniano, em 1914.

Estive na casa da região central. A primeira impressão que se tem ao chegar a um endereço histórico da gastronomia paulistana como esse e ver o salão quase vazio é uma confusão: um pouco de desolação, outro tanto de surpresa e também um certo alívio por perceber sua capacidade de resistir ao tempo. Afinal de contas, a vizinhança já foi das melhores –  a cracolânida começa na rua de trás, o movimento ali naquele trecho da Avenida São João já não conta com o Mappim, os cinemas…

Em algum momento da visita, antes ou depois de digladiar-se com aquele filé-mignon altíssimo, de 430 gramas de carne selada e vermelhíssima por dentro, vale a pena correr os olhos pelos pôsteres com recortes de jornal e revista espalhados pelas paredes.

Descobre-se nesse breve passeio um punhado de críticas gastronômicas – feitas por nomes como o do saudoso Saul Galvão, com quem trabalhei no Jornal Tarde, e Paulo Cotrim – e reportagens dos anos 70 aos 90 contando um pouco da gloriosa história do bar, cujo fim de noite já foi um dos melhores da cidade.

Achei curioso, em especial, um texto da Vejinha, de janeiro de 1986, que informa sobre a reabertura do Moraes, que havia ficado 22 dias fechado por causa da falta de carne (uma cópia da reportagem pode ser vista no site http://www.filetdomoraes.com.br). Na ocasião, o restaurante passava a servir o filé já com os acompanhamentos e por isso cobrava mais caro pelo prato. “Foi o único jeito de poder mexer nos preços e aguentar o ágio da carne”, explicava o proprietário. Eram tempos de Plano Cruzado, Sarney etc.

De volta a este 14 de dezembro de 2010, à mesa a combinação de filé-mignon com brócolis, batata frita à portuguesa, arroz e cerveja é um afago a um estômago que cede facilmente à nostalgia desses clássicos. Os mais sensíveis podem optar pelo “filet 2000”, com 130 gramas de carne, ou pelo mini-filet, de 230 gramas.

Para terminar, deve-se pedir ao garçom um pudim de leite feito ali mesmo. Para começo de conversa não se deve recusar, de jeito nenhum, os dois croquetinhos de filé-mignon que compõem o couvert.

Dá vontade de repetir a dose uma, duas, três vezes. Mas aí você se lembra que tem de reservar espaço para o filé.

Moraes. Praça Júlio Mesquita, 175, Centro, Tel. 3221-8066, http://www.filetdomoraes.com.br.

Cláudia e Fernando

Cláudia conheceu Fernando no primeiro dia de aula do curso de Publicidade e Propaganda. No segundo, já estavam apaixonados.

Dez anos depois, decidiram morar juntos.
E às doze horas do 1º dia do mês de dezembro do ano de 2007, Cláudia e Fernando oficializaram a união.
Cláudia e Fernando queriam ter uma celebração simples. Tão simples quanto os botecos que costumam freqüentar.
Por isso, não casaram na igreja, nem no cartório.
Cláudia e Fernando disseram o esperado SIM diante da meritíssima juiza de paz Lúcia Padoim e de cem convidados no salão do bar Salve Jorge, no centro de São Paulo.
Ela, de vestido branco, sem véu e sem grinalda e ele, de verde, com a camisa do Palmeiras e um sorriso incontido no rosto.
Além das fotos, um caricaturista retratou a festa – nada mais apropriado.
Os convidados serviram-se de dezenas de porções de polenta frita, mandioca frita e galetos, entre outros petiscos. Já que Cláudia não come carne, o bar providenciou frutos do mar, passados na chapa, ali na hora.
Para beber havia chope, caipirinha à vontade e 350 garrafas de cerveja Original.
Quem se manteve sóbrio, jamais há de esquecer aquela tarde de sábado.

 

Neste momento, Cláudia e Fernando estão em lua-de-mel, perambulando pelos botequins e pontos turísticos de Buenos Aires.
Que sejam felizes, juntos e para sempre.
Salve Jorge – Centro. Praça Antônio Prado, 33, loja 17, centro, tel. (11) 3107-0123.