Minha bola de capotão

 

Eu tinha 10 anos de idade – era fim de 1985 ou início de 1986. Costumava passar as tardes, depois da escola, na Portuguesa, às vezes na piscina, quase sempre jogando bola no “areião” – o campo de areia que fica ao lado do estádio, do bar que serve aaind hoje um vigoroso caldo verde, e de um dos ginásios do clube – ou nas quadras ao fundo desse campo.

A Lusa não tinha CT. E só os profissionais, acho, treinavam no gramado do Canindé. Por isso, em determinados dias, minha turma tinha de dar espaço para os treinos do time infantil, ou infanto-juvenil, não sei ao certo, que aconteciam ali no areião.

Num desses dias em que fomos desalojados, fiquei próximo ao areião observando o treino. De repente um dos garotos chutou uma bola na direção da minha turma.

(Pude ver que ali que, além de treinarem num campo pior, os moleques das categorias de base usavam bolas mais velhas, com o couro já descascado, certamente descartadas pela turma de Toninho, Luís Pereira, Edu, Jorginho, Toquinho, Esquerdinha, alguns dos jogadores do bom time da Lusa à época, vice-campeão paulista de 1985.)

O treino seguiu, ninguém veio buscar a bola e passamos a jogar com ela.

Quando me dei conta, o treino havia acabado. Coloquei a bola debaixo do braço e fui até o técnico dos meninos da Lusa a fim de devolver a bola.

– Pode ficar com ela pra você – disse-me Félix, que havia acabado de guardar todo o material do treino. 

Goleiro titular da seleção brasileira na Copa de 70, Félix treinava os times de base da Portuguesa. Morreu hoje de manhã em São Paulo, aos 74 anos.

Naquele dia, voltei para casa feliz da vida carregando aquela velha bola, e contei do presentão ao meu avô.

Durante a Copa do México em 1986, essa bola virou uma espécie de talismã.

Nos jogos do Brasil, eu vestia minha amarelinha, ligava a TV, mandava minhas irmãs fazerem silêncio, sentava-me no centro do sofá, abraçava a bola e ficava dando dribles imaginários com ela na sala. 

No único jogo que rompi o ritual – fui assistir ao jogo no colégio, era sábado de quermesse – o Brasil foi eliminado pela França.

 

E por falar em estádios…

Estádio Olímpico de Berlim Foto: Camila Antunes

Sempre que chego pela primeira vez a uma cidade procuro conhecer dois tipos de atração: estádios de futebol e mercados (sob a aba do chapéu “mercado” incluo feiras de rua, camelódromos e supermercados).

Mas é de estádios que quero falar. Num momento em que os principais estádios brasileiros estão em reforma para a Copa do Mundo de 2014 – a exceção do Morumbi, o mais importante de todos!, que, não sei não, ainda acho que vai receber alguns joguinhos do mundial – é interessante saber que a bola vai rolar por velhos-novos gramados, antes esquecidos.

Como pode ser visto nesta galeria de estádios publicada pelo viajeaqui, o Brasileirão 2011 terá partidas em Pituaçu (Salvador), no Presidente Vargas, em Fortaleza, e até em Macaé, no litoral norte do estado do Rio de Janeiro.

Aos torcedores mais fanáticos, eis um bom motivo para seguir os times e conhecer novas cidades, não só em dia de jogos.

É verdade que os clubes e/ou cidades e/ou estados que administram os estádios pelo país ainda estão engatinhando no que poderíamos chamar de “turismo de futebol”. As exceções, eu diria, são poucas.

Uma delas é o Estádio do Pacaembu, em São Paulo, onde fica o maravilhoso Museu do Futebol e cuja infra-estrutura fica disponível a qualquer pessoa que queira, por exemplo, fazer uma caminhada na pista ao redor do gramado ou mesmo tomar um sol na arquibancada.

Ao Morumbi é possível fazer visitas programadas, com direito a conhecer a espetacular sala de troféus, entre outras instalações.

Lembro-me que, quando criança, explorei o Mineirão, onde já assisti diversos jogos, e pude até pisar no gramado.

Fora do Brasil foram inesquecíveis:

– a visita a La Bombonera, do Boca Juniors, em Buenos Aires, onde estive por duas vezes: a primeira, em 2004, fiz a visita guiada pelos vestiários, loja, sala de imprensa, museu e gramado. Naquele dia, por sorte, Carlitos Tevez, que ainda jogava pelo Boca Juniors, estava no clube e pude tirar uma fotinho ao lado dele. Voltei ao estádio em 2009, quando assisti a um empate de 2 a 2 do time da casa com o Argentinos Juniors.

– as duas vezes em que fui ao Estádio Olímpico de Berlim. A primeira delas, na companhia de dois amigos, assisti a estreia do Brasil na Copa de 2006, o 1 a 0 contra a Croácia, gol de Kaká. Naquele dia tive a prova de que Deus existe: apesar de um amigo ter se perdido bem na hora que o jogo ia começar, ele conseguiu ver o jogo. Enquanto procurava por ele, eu encontrei um ingresso para a partida, jogado na alamenda que liga a estação de metrô ao estádio. Não localizei meu amigo – só fui revê-lo tarde da noite, já no nosso motorhome como qual rodamos a Alemanha – mas vendi o ingresso pelos mesmos 300 euros que tive de desembolsar ao cambista de quem comprei a entrada (que dava acesso ao setor destinado à amável torcida croata). Na segunda vez, em 2008, fiz um passeio por toda a área do estádio, que tem uma arquitetura monumental, como se pode ver pelas fotos deste post (desculpem pela qualidade das imagens).

No detalhe, a pira olímpica

– na mesma Copa, assisti no Estádio Olímpico de Munique ao jogo entre Alemanha e Argentina, que acontecia no Estádio Olímpico de Berlim. Como? Simples: a organização da Copa de 2006 instalou um megatelão no meio do gramado do estádio de Munique para que todos os torcedores e turistas que estavam na cidade pudessem torcer pelas equipes. Foi muito legal (ainda mais porque deu Alemanha, hehe)!

– o jogo entre Real Madrid e Atlético de Bilbao, em dezembro de 2006, no Santiago Bernabéu. Em sua fase “galática”, o Real tinha na equipe Ronaldo, Beckham, Roberto Carlos, Emerson, Raúl, Van Nistelrooy, Robinho, entre outros. O Real ganhou de virada, com gols de Ronaldo e Roberto Carlos. Não pude conhecer os bastidores do estádio mas fiquei impressionado com a organização dos setores, a acústica (se eu estivesse no lugar do jogador do Bilbao que foi expulso e tomou a mais sonora vaia de todos os tempos, eu teria saído do gramado aos prantos) e o acesso: há uma estação de metrô na porta, exatamente na porta do Bernabéu.

– a estreia do St. Pauli na segunda divisão do Campeonato Alemão de 2008-2009, em seu estádio em Hamburgo. Havia pelo menos 20.000 pessoas nas arquibancadas, em uma partida às 18 horas de uma sexta-feira. O bacana é que esse estádio é o único na Alemanha que tem autorização para que seja vendida cerveja na arquibancada, conforme contei aqui mesmo no Boteclando.

Mas preciso contar uma coisa: nenhuma dessas experiências se compara ao dia em que o São Paulo ganhou seu primeiro título da Taça Libertadores, em 1992, em pleno Morumbi. Eu estava lá.

Festa nas vilas

Nestes primeiros dias de abril, dois dos botequins mais bacanas de São Paulo, um na Vila Madalena e outro na Vila Mariana, estão em festa.

Parece que o apito inicial foi dado ontem, mas já faz dez anos que o São Cristóvão abriu pela primeira vez ao público seu salão forrado de fotos de jogadores e flâmulas de times de futebol.

Definir o São Cristóvão sem fugir do clichê de “templo” é, com o perdão do cacófato, perda de tempo. Toda vez que me aproximo daquelas centenas de quadrinhos, fotos, faixas e recortes de jornal que têm como tema esse assunto seriíssimo e devocional que é o futebol, sinto-me como se estivesse chegando a uma capela ou igrejinha barroca de Sabará, Mariana ou de alguma outra cidade histórica mineira, com sua sala de ex-votos repleta de imagens e recados de agradecimento por milagres alcançados.

O São Cristovão é sim um lugar que emociona a quem gosta de futebol e que por consequência faz o sinal da cruz quando seu time entra em campo para disputar um jogo importante. Lembro-me do dia que levei um amigo inglês para tomar dois chopinhos (R$ 4,40) ali, um fanático torcedor do Queens Park Rangers (o ‘QPR’), e de quão embasbacado ficou ao ver a fotinho do grande goleiro Gordon Banks, que fez a célebre defesa para a cabeçada de Pelé na Copa de 70.

Para comemorar seus dez anos, o bar promove de sábado (3) a sexta-feira (9) uma semana especial. No primeiro dia, um escrete de cartunistas capitaneado por Paulo Caruso expõe caricaturas de ídolos como Pedro Rocha, Dicá e outros boleiros inesquecíveis. Sensacional!

Nos outros dias há de tudo um pouco, mas na quarta, dia de secar o Flamengo na Libertadores, a TV do bar vai mostrar a partida do rubro-negro contra o Universidad de Chile. Quem estiver ali ganha uma rodada de bolinho de bacalhau e vinho do Porto – uma cortesia do proprietário do bar, que é vascaíno.

Na Vila Mariana, por sua vez, vai só até este domingo (4, o de Páscoa) o festival de mojitos que celebra os cinco primeiros anos do palmeirense Veloso. O grande Souza, dono de títulos e mais títulos de coquetelaria, está preparado versões diferentonas do drique, com frutas como maracujá, tangerina e carambola. Cada uma deles custa 17 reais.

Longa vida ao Veloso e ao São Cristóvão!

E Feliz Páscoa a todos.

São Cristóvão. Rua Aspicuelta, 533, Vila Madalena, tel. (11) 3097-9904.

Veloso. Rua Conceição Veloso, 56, Vila Mariana, tel. (11) 5572-0254.

Mordidas no chope

A caneca do Boi na Brasa/ Foto: Renato Ferreira

Conheci a churrascaria Boi na Brasa nos anos 80, quando eu era mascote do Proálcool Futebol Bebuns e Mulher, invencível time de futebol de salão que arrepiava qualquer adversário que ousasse enfrentá-lo nas manhãs de sábado ali no alçapão do Parque da Mooca.

Eu tinha meus 9 ou 10 anos e me lembro que após os jogos o time sempre seguia para algum boteco ou restaurante a fim de repercutir o resultado das partidas em meio a garrafas de cerveja, cumbucas de feijoada, torresmos, sanduíches de salame com queijo prato e canecas de chope.

O destino preferido costumava ser o Peru’s, então na Rua Julio de Castilhos, perto do Largo São José do Belém – já escrevi sobre isso aqui no blog. Em seguida vinha o Boi na Brasa, ao qual a turma chegava em busca da salada de agrião, da alta e gorda bisteca bovina e da feijoada.

No capítulo bebidas, eu me contentava com duas ou três garrafas de guaraná Antarctica caçulinha. Mas olhava estranho para aquelas canecas de alumínio fosco, arredondadas, em que era despejado o chope que meus ídolos consumiam aos hectolitros.

Fiquei uns bons quinze anos sem voltar à casa, até que fiz isso no ano passado, após mais uma das peladas de sábado – dessa vez a turma era outra, o time, idem, para o qual guardei, aliás, meus golzinhos.

Imediatamente veio a lembrança da feijoada, da bisteca e da caneca que – o tempo me fez esquecer dela – costumava chegar à mesa com algums marcas deixadas por outros bebedores.

Não me refiro ao vermleho do batom ou aos resíduos de bebida, mas às mordidas na borda das canecas mais ‘rodadas’. É verdade, pode parecer esquisito ou anti-higiênico perceber esses, digamos, registros bem na hora de levar o chope à boca.

Prefiro acreditar que esses carimbos de caninos, pré-molares e molares são na verdade uma espécie de certificado de qualidade da bebida ou algum código secreto trocado pelos habituês e boêmios que há 43 anos enchem a casa, que notabilizou-se também por manter a churrasqueira acesa até as 4 da manhã.

Contra todos os cânones que versam sobre o serviço correto de um chope, digo que sim, o chope do Boi na Brasa servido na caneca de alumínio é bem decente (custa R$ 4,30), conforme atestei mais uma vez no sábado passado.

Para não perder a viagem, preciso dizer que deixei ali, sim, uma dentada para a posteridade.

Churrascaria Boi na Brasa. Rua Marquês de Itu, 139, Vila Buarque, esquina com Rua Bento Freitas, tel. (11) 3223-6162.

Futebol no bar: um direito de todos

Faz quinze minutos que o Tricolor está em campo no Defensores del Chaco para o jogo contra o Nacional do Paraguai pela Copa Libertadores. Como o horário da partida – começou às 19 horas – é bizarro, não vou ter tempo de sair da redação, passar no supermercado e comprar umas latinhas de cerveja já geladas, a fim de ver o jogo no conforto de casa.

O jeito vai ser correr para algum bar a tempo de acompanhar o segundo tempo. Tô pensando, talvez chegue em Perdizes em 15 minutos e descole uma mesinha boa ali na calçada do Autêntico, na esquina da Caiubi com a Campevas. Hum…, só a lembrança daquele colarinho cremoso já me faz salivar pelo chope desse boteco em que a maioria das noites (e tardes de sábado, quando monta um bufê de boa feijoada) transcorre na maior tranquilidade.

A ligação perfeita entre boteco e futebol, imagino, deve existir desde aquele 15 de abril de 1895, dia em que Charles Miller reuniu os colegas da São Paulo Railway em alguma taberna do Brás para comemorar os 4 x 2 contra o time da Companhia de Gás.

Já nos tempos da TV Tupi, esse casamento ganhou um belo upgrade, quando algum dono de boteco resolveu puxar uma extensão e colocar um aparelho preto-e-branco, de tubo, em cima da geladeira. Afinal, a freguesia tinha de acompanhar o Brasil x Itália, o Fla X Flu, o Choque-Rei ou algum outro clássico enquanto tomava a sua cervejinha.

Eis que o tempo corre, o drible passa a ser visto como desrespeito e o futebol no Brasil vem a ter dono. Um dono que decide que não, nada dessa história de bar transmitir jogo de Copa do Mundo. “Só mediante autorização da FIFA ou da emissora licenciada”.

Pois é, nós, torcedores e botequeiros quase tivemos de engolir essa, caso quiséssemos assistir em um bar as partidas da Copa do Mundo da África do Sul.

O fato é que aquele estabelecimento que não quiser preencher no site da FIFA – em inglês – o requerimento de transmissão terá de seguir algumas “exigências”, tais como:

– não cobrar ingresso para ter acesso ao bar;

– partidos políticos e candidatos não podem ser associados com a exibição dos jogos (pergunta do blogueiro: se eu decidir me candidatar ao cargo de vereador e decidir juntar uns amigos para ver um jogo no bar, corro risco de ser punido pelo TRE?);

– o sinal da TV deve ser transmitido na íntegra, incluindo os intervalos comerciais (sugestão do blogueiro: para que o cliente não perca um segundo sequer dos maravilhosos comerciais, que tal instalar monitores de 14 polegadas em cada um dos mictórios e reservados no banheiro?).

Convenhamos, seria o fim da picada. Felizmente, não vai ser.

 

Autêntico. Rua Campevas, 320, Perdizes, tel. (11) 3873-0455.

No Chora Menino, a camisa do bandeirinha

Camisas de times de futebol penduradas no teto ou nas paredes de um bar não são novidade. Até cantinas italianas elas decoram.

Mas e a camisa do bandeirinha, você já viu dando sopa em algum boteco por aí? Não?

Pois eu vi uma, pendurada na parede do Chora Menino, boteco inaugurado no início deste ano no bairro da Saúde, a um quarteirão do Bar do Luiz Nozoie.

Ela foi pessoalmente doada – e autografada – pelo árbitro assistente (Ok, ok, bandeirinha, pô!) Felipe Cirillo Penteado, da Federação Paulista de Futebol.

Atual 53° lugar no ranking da Federação, categoria Ouro-C, Cirillo bandeirou quatro jogos deste Paulistão 2008: Mirassol 3 X 1 Guarani, Paulista 3 X 2 Sertãozinho, Barueri 1 X 1 Corinthians e Marília 3 X 2 São Paulo.

Nesse último jogo, aliás, o Tricolor perdeu a invencibilidade no campeonato e, de quebra, o Marília quebrou um tabu de 23 anos sem ganhar do Tri-mundial. Que eu me lembre, Cirillo teve atuação discreta, embora o André Dias tenha sido expulso ao fazer um pênalti. Tudo bem, coisas da vida…

Ele que não apareça no Chora Menino em dias de jogo de futebol já que, numa idéia ousada, os proprietários do boteco resolveram transmitir ao mesmo tempo duas partidas diferentes: uma no telão e outra na TV. Como existe a chance de palmeirenses e corinthianos se encontrarem ali numa mesma quarta-feira, pode ser que sobre pro juiz, não é mesmo?

Ainda assim, o clima na casa tem sido de paz, já que os donos, entre eles o Jamito, como é mais conjecido, são queridos na área. Portanto, vale a pena passar pelo bar para provar o chope Eisenbahn de trigo (R$ 3,80) e as caipirinhas preparadas pelo barman Jardel, um aluno do Souza, barman do ano eleito pelo júri da Vejinha, que trabalha no Veloso. A de limão com gengibre é a mais redonda (R$ 7,40).

Entre os comes, o croquete de carne-seca é bem sequinho (R$ 9,50 porção com 8 unidades) e a carne-seca acebolada com mandioca frita (R$ 14,40) vale por duas.

Chora Menino. Avenida do Cursino, 1302, Saúde, tel. (11) 5062-6767.