O Elídio Bar não morreu

Elídio Raimondi e seu mítico balcão: legado mantido / Foto: Mario Rodrigues

Conversei há pouco com Celeste Raimondi, uma das três filhas de Elídio Raimondi, um dos grandes nomes da gastronomia boêmia de São Paulo, que morreu no dia 2 de maio, aos 76 anos. “Meu pai trabalhou no bar até sexta-feira, dia 27, foi internado no dia seguinte mas não resistiu aos problemas decorrentes de circulação arterial”, contou-me Celeste.

Elídio nos deixou, mas seu bar – na verdade, seus dois bares, já que além da matriz na Mooca ele abriu alguns anos atrás uma filial no mezanino do Mercado Municipal – continuará ativo, pelas mãos da própria Celeste e de suas duas irmãs, Suzete e Solange.

Elídio era um gênio. Ao manter durante décadas o balcão repleto de travessas com dezenas de tira-gostos diferentes, às quais os fregueses podiam recorrer diretamente enquanto ele próprio, muitas vezes, tirava uma caldeireta de chope, Elídio ajudou a definir um estilo paulistano de boteco, que foi copiado à exaustão.

São-paulino, conforme me contou certa vez, forrou a parede de seu bar com recortes de jornal e fotos de times históricos de futebol e mesmo quando já não era mais politicamente correto entusiasmar-se por balões juninos, Elídio manteve fotos desses colossos coloridos feitos de papel de seda e lançados a céu, outra de suas paixões. 

O Elídio bar ficou fechado apenas na quinta-feira, dia 3, por luto. “Vamos manter o legado de 53 anos do trabalho do meu pai”.

Ao falar desses 53 anos, na verdade Celeste revelou-me uma curiosidade. Pela contagem, digamos, oficial, o bar tal qual conheci em 1998, quando fiz minha primeira reportagem sobre o boteco, para a PLAYBOY, teria sido fundado em 1973. Naquele ano, Elídio passou a servir chope, mas já vinha dando expediente no boteco da Rua Isabel Dias, 57, desde 1959.

Explico: o pai de Elídio, João Raimondi, havia montado um bar naquele ponto, vendeu-o para terceiros, até que o jovem Elídio o recomprou em 1959, antes mesmo de casar, e transformou num dos melhores bares de que se tem notícia.

Elídio Bar. Rua Isabel Dias, 57, Mooca, tels. (11) 2966-5805 e 2021-3097.

 

Um alemão no bairro dos italianos

Prateleiras na Cervejaria do Alemão, na Mooca / Foto: Miguel Icassatti

 
Dias atrás os jornais noticiaram que após 1 ano e 8 meses foi registrado um homicídio na Mooca. Esse longo intervalo de paz faz do bairro um dos mais tranquilos da cidade. Disso, qualquer mooquenseestá cansado de saber. Se São Paulo fosse uma grande Mooca, já pensaram que beleza esta cidade não seria?
 
Pois, além do sossego, a Mooca nos oferece o sotaque, o Juventus (o clube), a Juventus (a casa de esfihas), os panetones da Di Cunto, as massas do Carlini (que tirou o Don do nome) e o Elídio Bar, entre outros refúgios gastronômicos.
 
Além desses grandes símbolos locais, as ruas de paralelepípedo, paralelas e transversais à artéria que é a Avenida Paes de Barros, revelam lugares menos badalados. E surpreendentemente bons, como a Cervejaria do Alemão, que conheci ontem a convite do meu amigo Walter Tommasi.
 
Para fazer par com o chope cremoso e bem tirado, de colarinho alto, ou para manter o fígado em ordem diante da boa oferta de cachaças, a lista de tira-gostos vai do frango à passarinho (bom, sequinho) com mandioca (sem sal) e do pernil temperado (bom, úmido e levemente adocicado) à costelinha de tambaqui ao filé à parmigiana aperitivo.
 
Inaugurado em 1996 numa esquina da Rua Madre de Deus, o botecão foi sedo decorado aos poucos, com a contribuição de fregueses, que passaram a presentear o anfitrião, o corintiano Hans Von Bier (se traduzido para a língua alemã, seu nome seria algo como “Hans da Cerveja!”). Por isso as paredes ostentam camisas do Juventus, da Portuguesa e do Corinthianas, com destaque para uma do já saudoso Dr. Sócrates.
 
Mas eu recomendo ao caro leitor uma corrida de olhos mais atenta às fotos do anfitrião expostas na parede. Em uma delas do início dos anos 80, tá lá ele abraçado com a Xuxa, num clique feito antes de ela assumir seu reinado.
 
Cervejaria do Alemão. Rua Madre de Deus, 325, Mooca, tel. (11) 2291-8960.
 
 
 
 
 

A Mooca faz bem

Don Carlini / Foto: divulgação

Ao deixar a Sala São Paulo no mesmo sábado citado no post anterior, resolvi fugir do óbvio – para um paulistano do Pari e que recentemente só tem circulado pelas regiões central, Sul e Oeste, sim, a querida Mooca é um refúgio – e decidi jantar no Don Carlini.

O relógio marcava 11 da noite e eu previa chegar lá em quinze minutos, o que consegui, mesmo costurando o caminho pelas Ruas São Caetano, Oriente e Bresser (no Brás), Viaduto Bresser, Avenida Paes de Barros e Rua da Mooca, àquela hora desertos.

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Inaugurado em 1985, o Don Carlini abriu filiais na Vila Madalena e em Perdizes mas, a bem da verdade, elas não têm nem de longe a graça da casa original, que fica a um quarteirão da Avenida do Estado, em meio às construções que restaram daquele passado operário mooquense.

Ao chegar ao restaurante, as recompensas não demoraram a postar-se sobre à mesa: um fettuccine ao molho de calabresa, com cuja massa, garante a casa, é moldada num aro de bicicleta (R$ 29,00). E o nhoque da bisnonna, pedido da Camila, com um densíssimo ragu de carne (R$ 32,00).

Na saída, passei pela rotisseria e acabei não levando para a casa uma bandeja de talharim (R$ 11,00 o quilo) para o almoço de domingo. Paciência, espero passar por lá em breve.

Voltar a Mooca faz bem para a saúde e a alma.

Don Carlini. Rua Dona Ana Néri, 265, Mooca, tel. (11) 3208-2024.