Minuto de silêncio para o Sr. Carlinhos

Neste domingo, 27, às 11 horas, na Paróquia Armênia Católica São Gregório Iluminador (Avenida Tiradentes, 718) será celebrada a missa de sétimo dia de Missak Yaroussalian, o “Carlinhos”, criador do arais, a delícia da gastronomia paulistana reproduzida na foto abaixo e servida diariamente em seu restaurante no bairro do Pari.

Arais, do Restaurante Cralinhos

 

Neste post, o jornalista Marcelo Duarte, um entusiasta do arais, descreve a biografia do Sr. Carlinhos, que vem a ser o pai de dois amigos meus de infância: o Fernando e o Fábio, que ao lado da mãe, dona Vartuhy, manterão o legado do pai à frente do restaurante.

Para além dos arais, dos basturmalãs e de outras receitas sirio-armênias que ele preparava (e, consequentemente, para além de ter sempre esses motivos para sempre voltar ao bairro em que passei grande parte da minha vida), tomo como uma grande lição deixada pelo Sr. Carlinhos a importância que temos de dar à família.

Se você já foi ao Carlinhos, recebeu o abraço de boas-vindas do Fernando na entrada, notou a elegância com que Dona Vartuhy comanda o caixa e conferiu, na boca da cozinha, como era a sintonia de trabalho entre Missak e Fábio, então, você sabe do que eu estou falando.

 

 

 

O show do Kiss e o dog do Charles


O dog paulista do Charles / Foto: divulgação

Nem temaki, um cheesesalada no Marques, talvez. No início os anos 1990, não havia quem morasse da Zona Norte e não fizesse um pit stop obrigatório para matar a fome numa barraca — que virou trailer — que vendia cachorro-quente logo nos primeiros metros do canteiro central da Avenida Brás Leme. Fim de balada, duas, três, quatro da manhã de sábado para domingo e a moçada fazia uma fila de vários zigues e zagues ali.

Eu mesmo encarei essa fila algumas vezes, com os cruzeiros reais, reais, posteriormente, contados, que sobravam na carteira depois do desfalque nos bares da Vila Madalena. A espera na fila do Charles Dog servia, também, para um último balanço da noite (quantos telefones trocados, quantos beijos, quantos foras levados etc. etc.).

Uns quinze anos atrás, depois de o trailer ter sido recolhido pela prefeitura, quem fizesse o mesmo caminho para chegar à ZN pela Brás Leme e olhasse para a calçada da direita, veria que Charles havia prosperado. A barraca e o trailer haviam se transformado numa vistosa lanchonete.

Pois no sábado passado, ao fim do show do Kiss, no Anhembi, o segundo da minha vida (2009 e 2012), resolvi parar no Charles para comer um dogão.

Apesar de toda infra-estrutura, o conforto das mesinhas, balcão e cadeiras nos dois andares, algo não havia mudado: a fila, um efeito direto da qualidade do lanche. Mais veloz que o Tony Kanaan, o funcionário responsável pela montagem das onze versões de cachorro-quente parece, a princípio, não dar conta da freguesia. Mas a fila flui rapidamente, ainda mais se o cliente pedir pelo dog paulista (R$ 9,50),um colosso composto de duas salsichas, molho vinagrete, molho de tomate, purê de batata, catupiry, maionese, ketchup e mostarda. É o default, o campeão de pedidos.

Eu devo ter deixado pelo menos um terço do lanche caído na bandejinha, tal o tamanho do lanche. Uma enormidade, uma dificuldade, um exagero tão irrecusável quanto a pirotecnia, os decibéis, os hits, os clichês e as caras pintadas de um show do Kiss.

Charles Dog. Avenida Brás Leme, 480, Casa Verde, tel. (11) 3966-0286. http://www.charlesdog.com.br

 

É sempre bom voltar no tempo e à Cantina Tempone

O badejo ao molho de camarão: recita dos bons tempos / Foto: Mário Rodrigues

 

Fazia quase cinco anos que eu não voltava à Cantina Tempone, no bairro do Pari. A última vez havia sido em julho ou agosto de 2007, quando incluí o restaurante em uma reportagem de capa para a Vejinha, intitulada “Treze Delícias do Pari”.

Almocei lá ontem, quinta-feira, depois de ter feito uma breve visita a um amigo. Voltar ao Pari, e ao Tempone, é sempre um grande prazer.

Na minha adolescência eu era um freguês bissexto do restaurante, que vivia lotado no almoço de sábado e domingo. Naqueles dias duros, era programa especial lá em casa o domingão em que eu e minhas irmãs baixávamos ali no salão para encomendar uma lasanha à bolonhesa ou canelone ao sugo ou um espaguete ao molho de calabresa.

Era sensacional: assim que nossa quentinha saía da cozinha do restaurante, acelerávamos o passo pela calçada, por quatro quarteirões. Quando chegávamos em casa, minha mãe já estava com a mesa posta à nossa espera. Foi inevitável não lembrar daqueles dias no almoço de ontem.

Esse típico restaurante de bairro, com um salão de decoração austera, é tocado pela família Tempone há quase 50 anos. Foi inaugurado e está na mesma Rua Rio Bonito desde 1965. Nos anos 1980, vejam só, chegou a ter uma filial na Rua Bela Cintra, no mesmo imóvel onde está o afamado Tordesilhas, da chef Mara Salles.

O anfitrião, Sergio Tempone, dá expediente no salão ao lado dos filhos, que revezam-se também no caixa. A esposa, Vera, fica de olho na equipe da cozinha, que é versátil, conforme pode-se ver no cardápio. As seis ou oito páginas, se não me engano, trazem uma boa centena de receitas, apresentadas em diferentes sessões: antepastos e entradas, saladas, dezenas de massas que podem ser combinadas com outra dezena de molhos, carnes, frutos do mar, peixes, aves e sobremesas. Enfim, papai, mamãe, vovó, vovô, filhinho e filhinha saem satisfeitos, de um jeito ou de outro.

Até pouco tempo atrás só eram preparadas receitas para duas pessoas – na verdade a porção média satisfaz três comensais tranquilamente – mas agora há opções individuais. Além do espaguete ao molho de calabresa, minha receita preferida, gosto muito do badejo com molho de camarão e frutos do mar. Mas desta vez provei o cabrito com batatas coradas e brócolis ao alho (R$ 34,80). A carne tinha cozimento perfeito, assim como as batatas, e o brócolis tinha uma textura deliciosa. O molho do cabrito estava um tanto quanto enjoativo porque notei a presença de vinho tinto em excesso.

Nada, porém, que não me fizesse sair dali feliz da vida por ter reencontrado, por pouco menos de uma hora, meus tempos de moleque.

Cantina Tempone. Rua Rio Bonito, 1421, Pari, 3311-0655.

Dois botecos que (sempre) me trazem boas lembranças

Pé Pra Fora: um dos grandes botecos de SP

 

Por dever de ofício, digamos assim, tenho de visitar e descobrir novos bares e restaurantes toda semana, a fim de apresentá-los a você, caro e raro leitor, aqui neste espaço.

Minha vida tem sido mais ou menos essa desde que fui contratado como repórter da PLAYBOY, em 1998, com a tarefa de escrever a página de bares na revista. Nunca fiz as contas exatas mas estimo que, desde então, já devo ter estado – a trabalho, logo, bebendo em serviço – em uns 800 a 1000 desses estabelecimentos em São Paulo e no Brasil. Nesse montante eu coloco também os bares que costumo visitar na condição de pessoa física e os dos países pelos quais passei.

Com tantos lugares a visitar, é de se supor, portanto, que eu não seja daqueles fregueses fiéis que costumam bater cartão num mesmo endereço. Fico meses, anos, até, sem voltar a um bar embora, é verdade, esteja acostumado dar as caras mais vezes naqueles que ficam no meu caminho, perto de casa ou do trabalho.  

Por coincidência, estive recentemente em dois dos melhores botecos de São Paulo, perto dos quais eu morei, mas aos quais não voltava há pelo menos um ano.

Um deles é o Bar do Jô, no Pari, onde participei recentemente de um encontro com meus amigos de colégio. Joilson Batista Araújo, o Jô, abriu o boteco em 1980, ao lado da papelaria Koisas do Arko e de um laticínio do qual não lembro mais o nome. Passados 31 anos, esses dois estabelecimentos já não existem mais e seu espaço foi anexado pelo Jô nas duas ampliações que fez na casa.

Com mesas na calçada, o Bar do Jô é porto seguro para as tardes do sábado, uma espécie de horário nobre local. Jô toma conta do seu boteco dia e noite e ainda arranja tempo para correr em provas de 20 quilômetros, meia-maratonas e maratonas.

As porções que saem da cozinha são grandes, satisfazem facilmente a duas ou três pessoas, caso da feijoada (R$ 50,00). Benfeitos são a caipirinha (R$ 10,00, com cachaça Nega Fulô) e os pastéis de carne, queijo e palmito (R$ 7,00 a porção com três unidades). E para um cidadão pariense como eu, voltar o bairro, rever o Jô, passar em frente ao Colégio Santo Antônio (hoje Bom Jesus), bem, são atrativos extras sempre bem-vindos.

O outro boteco, do qual tornei-me habitué ali por 1998, 1999, é o Pé Pra Fora. Aquela varanda, sempre cheia, festiva, às vezes florida, desde então me oferece a ilusão de que, numa tarde de sol, a praia está mais perto. Perdi a conta das vezes em que, vizinho dali, descia ao bar nas tardes de domingo para um almoço tardio, e os garçons ajeitavam uma mesa para mim diante de uma das TVs para que eu assistisse, mais bem acomodado até do que nas cativas do Morumbi, aos jogos do Tricolor.

Quarentão, o Pé Pra Fora mantém-se digno no serviço e na qualidade do que vende: o bolinho de bacalhau frito na hora (R$ 4,70) só encontra rivais no Bar Léo e no Bar do Luiz Fernandes. A empadinha de camarão (R$ 3,00) é bem decente, a Serramalte (R$ 6,80) está sempre gelada e o espeto misto, composto de alcatra, linguiça e lombo (R$ 48,20), haverá de deixar felizes o paladar e o apetite do caro leitor e de sua senhora.

Promessa para o Ano-Novo: não ficar tanto tempo longe desses botecaços.

Bar do Jô. Rua Conselheiro Dantas, 479, Pari, tel. (11) 3311-0347, http://www.bardojo.com.br.

Pé Pra Fora. Avenida Pompeia, 2517, Sumarezinho, tel. (11) 3672-4154, http://www.pepraforabar.com.br.