Um boteco hardcore

O que aconteceu com os velhos punks? Jão, guitarrista do Ratos de Porão, ao menos, tornou-se sócio de um bar, o Underdog, que é um baita de um bar, embora pequeno, em Pinheiros. Reproduções de cartazes de turnês do R.D.P. cobrem as paredes.

Está enganado quem pensa, porém, que Jão posa de patrão. Ao contrário, posta-se do lado de lá do balcão, serve doses dos bebes (17 reais a de uísque Jack Daniel’s) e dá uma força ao parceiro que administra a parrilla.

Da parrilla, é bom dizer, sai 100% do que há para comer: carnes bem churrasqueadas e sem frescuras, à moda argentina. Para começar, vale pedir um choripan (pão com linguiça, 9 reais). Gostei muito do skirt (entranhas bovinas, 25 reais), assado na medida certa, servido com pão francês fatiado, e também do hambúrguer, que é feito com costela (20 reais, mais 2 reais com bacon e mais 2 reais com queijo).

Pequeno, o salão comporta duas ou três mesas e mais duas banquetas, razão pela qual muita gente se acomoda nas outras poucas mesas armadas na calçada. O modus operandi do freguês é mais ou menos este: entrar, olhar os preços na parede, fazer o pedido, pegar uma cerveja (Duvel, 22 reais; Dundee e Vedette, 19 reais cada uma), deixar o nome com o garçom e dar um tempo do lado de fora.

O bônus para quem consegue um lugarzinho lá dentro é o som, cuja seleção em geral tem a mão de Jão, é claro. Na noite em que estive lá, rolou de Rush a Smiths e Nick 13.

Punk, sim. Radical, não.

Underdog. Rua João Moura, 541, Pinheiros. Abre de quinta a sábado, das 18h às 23h.

Parrilla: Montevidéu X Buenos Aires

Cheguei a Montevidéu no fim da tarde de quinta-feira (23), o dia seguinte à derrota do Peñarol para o Santos, que, agora, como o São Paulo, pode bater no peito e dizer que é tricampeão da Libertadores.

A manchete dos jornais uruguaios, mais do que lamentar a perda do jogo e do título, destacava a luta, a raça e o orgulho de ver o mais tradicional e vencedor time local novamente entre os melhores do continente. Na saída do aeroporto, vi algo que seria inconcebível por aqui: um ambulante vendia pôsteres com a foto dos vice-campeões da América.

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Nesse dia e nos seguintes, a final da Libertadores seria o assunto principal das conversas sobretudo entre os locais e os turistas brasileiros. Mas eu estava interessado, na verdade, em outro assunto: as parrillas, tema que acirra rivalidades entre uruguaios e argentinos.

Em qual das duas cidades está a melhor? Montevidéu ou Buenos Aires? Como seguiria também para a Argentina, resolvi fazer um tira-teima.

Em Montevidéu, comecei por uma das bancas de parrilla do Mercado del Puerto, lamentavelmente não pelo famoso El Palenque, que estava já fechando, mas pela La Chacra, a única no mercado que àquela hora, 5 da tarde mais ou menos, não tinha cadeiras já viradas sobre as mesas nem garçons varrendo o salão.

Mercado del Puerto, Montevidéu

Sentei-me no balcão da casa, que fica bem no meio do mercado. Ali devorei dois meganacos de asado de tira (costela bovina), precedidos por uma apimentada salsicha parrillera (linguiça). Assada ao ponto, a carne tinha um quase nada de sal, como manda a tradição local. Compensei o sal com o excesso sobre as batatas fritas e com o molho chimichurri. O mais legal foi constatar que as boas churrasqueiras urtuguaias são alimentadas por lenha e não por carvão. Veredicto: bom.

Na sexta, após umas comprinhas no Shopping de Punta Carretas, jantei no La Perdiz. Com astral de pub, esse restaurante reúne casais, turmas e turistas, que são servidos por garçons jovens e solícitos. Após uma espera de 10 minutos no balcão, o tempo de desenrolhar uma garrafa de vinho, conseghui uma mesa defronte à churrasqueira. Camila pediu um badejo a la plancha (na churrasqueira) e eu fiquei com um bife ancho acompanhado de purê de batatas. Veredicto: muito bom.

Depois de uma tarde de friaca e ventos na lindinha Colônia de Sacramento, cidade às margens do Rio da Prata, uma mistura de Parati com o Quadrado, de Trancoso, desembarcamos do buquebus em Buenos Aires pontualmente às 21h30. Na capital argentina também só se falava de futebol, no caso, sobre o provável rebaixamento do River Plate à segunda divisão local, um absurdo tão grande como aquele que acometeu o Corinthians. Como essa foi minha quarta visita à cidade, posso dizer que já começo a me sentir um portenho, até por que eu tenho ascendência argentina: Leopoldo Icassatti, meu tataravô, era um hermano.

Não tive muita dificuldade para encontrar o Don Julio, restaurante típico que fica em Palermo Viejo. O melhor é que, como hospedamo-nos em Palermo – o que poucos brasileiros fazem, mesmo depois de consolidada nossa invasão a cada inverno -, seguimos a pé para lá.

Por volta das 23h, o restaurante tinha bom público – pegamos a última mesa disponível. Notei que a clientela compunha-se de grupos de casais jovens, famílias e alguns poucos turistas gringos. Camila pediu por um bife de chorizo, meia-porção, o que sigifica muita carne para uma mulher só. Eu esperei ansiosamente por meu vacio (fraldinha). Não sei se é um reflexo da preferência da maior parte dos brasileiros, mas achei que o carne tinha passado do ponto – e olhe que pedi que viesse ao ponto, já sabendo que o “ao ponto” dos portenhos corresponde ao nosso “mal passado”. Veredicto: bom.

Para o almoço de domingo, reservei tempo e paciência para conhecer o La Brigada, em San Telmo, famosa e turística parrilla. Na opinião do meu amigo Jorge Carrara, argentino e crítico de vinhos da revista “Prazeres da Mesa”, ali estaria a melhor carne de Buenos Aires.

La Perdiz, em Montevidéu

Antes de falarmos da carne, convém dizer que o restaurante merece uma visita simplesmente por estar em Santelmo, por ser um ponto turístico e por causa da decoração, repleta de flâmulas, fotos e faixas de clubes de futebol do mundo inteiro. O astral tem assim uma pegada do paulistano Família Mancini. e o turista corre o risco até de cruzar com Lionel Messi, quando ele está pela cidade.

Para variar, quis provar o asado de tira especial e Camila ficou com o ojo de bife, ambas boas pedidas. O ojo de bife devia ter uns 10 centímetros de altura. Saboroso, estava muito macio. O asado especial foi o melhor corte que degustei na viagem, mas não foi a melhor carne que provei por lá, embora tivesse notado que o garçom cortou a carne com a colher, de tão macia que estava. Veredicto: Muito bom.

Como me propus a desempatar essa versão do clássico do Rio da Prata por meio da parrilla, tive de recorrer à memória. De modo que dou a vitória a Buenos Aires. Não esqueço do asado de tira que encarei há exatamente um ano, no La Cabrera, em companhia dos amigos Krueger, Badá e Ed. Ponto perfeito, ótimos acompanhamentos, tempero impecável. Veredicto: sensacional.

La Cabrera, em Buenos Aires

Don Julio. Calle Guatemala, 4691, Palermo Viejo, Buenos Aires.

La Brigada. Calle Estados Unidos, 465, San Telmo, Buenos Aires, Argentina.

La Cabrera. Calle Jose Cabrera, 5099, Palermo Viejo, Buenos Aires, Argentina.

La Chacra. Mercado del Puerto, Ciudad Vieja, Montevidéu.

La Perdiz. Calle Guipúzcoa, 350, Punta Carretas, Montevidéu.


Guarulhos – Lisboa – Buenos Aires

Não marquei a quantidade exata, mas no fim de semana bati meu recorde de consumo de carne. Em quatro investidas a parrillas portenhas, devorei peças de asado de tira (costela), bife de chorizo, ojo de bife e bife ancho em quantidades suficientes para abastecer uma família por semanas. Ou para garantir a alegria de um churrasco pré-jogo do Brasil. Acontece que passei o sábado e o domingo em Buenos Aires, na companhia de três de meus melhores amigos.

Desembarcamos em Ezeiza na tarde de sexta, depois de ter assistido a Brasil e Portugal num pubzinho que fica no Terminal 2 do Aeroporto de Guarulhos.

Não é o lugar ideal para acompanhar uma partida de futebol, mas até que a experiência foi divertida, mesmo depois de ter pagado 8 reais por uma garrafa long neck de Kaiser Gold (que é uma cerveja muito boa, diga-se).

Coincidentemente, acomodado numa mesa à nossa esquerda, um portuga da gema, torcedor do Benfica, acompanhava o jogo ao lado de um inglês. Os outros 30 e poucos espectadores eram brasileiros, o pareciam ser.

No intervalo, puxei papo e disse a ele que em poucos dias viajo a Portugal – no que me passou uma dica de restaurante na cidade do Porto, que pretendo conferir. No mais, ele ficou impressionado por eu ter dito que conhecia a Vitória.

E quem é Vitória?

Vitória é uma águia que, com fitas vermelhas e brancas presas às garras, faz um voo rasante – como uma volta olímpica, a cada jogo do Benfica no Estádio da Luz, em Lisboa – e pousa no meio de campo. Após o pouso, o estádio irrompe numa festa. É emocionante.

httpv://www.youtube.com/watch?v=haCdUIwhutg

De volta a Buenos Aires, já à noite e acomodados no hotel Own, que fica no bairro de Palermo Holywood, seguimos para a rua em busca de algo para comer.

Para nosso azar (detesto essa palavra, mas…), havia na região uma manifestação do Sindicato dos Trabalhadores do Hotéis, Bares e Restaurantes. Os piqueteiros seguiam em marcha pixando carros e fachadas de estabelecimentos, invadirindo bares e restaurantes e obrigando seu fechamento imediato.

À mesa da parrila El Primo, depois de termos feito o pedido e de esvaziada uma garrafa de vinho, fomo gentilmente informados pela garçonete que nossos pratos não seriam servidos porque o patrão estava com medo que o local fosse invadido. Frustradíssimos, fechamos a conta.

Encontrar um restaurante ou bar aberto àquela hora seria uma tarefa dificílima, para não dizer inútil (deu pena de ver garçonetes a limpar as calçadas lotadas de panfletos jogados na rua).

Para nossa sorte, o Acabar (foto abaixo, de Pablo Souza) ficava perto dali.

Caminhávamos de volta ao hotel – esta é uma vantagem enorme de Palermo, a possibilidade de fazer muitas coisas a pé – quando notei que um casal deixava um bar cuja fachada estava compeltamente apagada. Consegui notar no entreabrir da porta um salão iluminado e bombando. Na cara de pau 9e com cara de faminto) perguntei ao porteir se poderíamos entrar. Era quase 1 da manhã.

Assim que entrei no salão, me dei conta que estive nesse mesmo bar em 2004, da primeira das três vezes que visitei Buenos Aires. É um bar-restaurante muito legal, em que é possìvel passar a noite a disputar partidas de ludo, Banco Imobiliário e outros jogos de tabuleiro que a casa deixa a disposição dos clientes. Dividimos uma picada (tábua de embutidos e queijos) e, para brindar, garrafas de Quilmes (10 pesos cada uma, o equivalente a 5,50 reais a garrafa de 1 litro). O ambiente e o astral do Exquisito!, na Bela Cintra, lembram muito esse Acabar, com a diferenta que o bar bonairense é maior, com vários ambientes. Grupos de garotas e turmas mistas dominavam o salão.

Para a primeira noite de um fim de semana em que assistiríamos ao jogo da Argentina de Maradona, Messi e Higuaín em território adversário (e não inimigo, certo, Galvão?), até que passamos por poucas e boas emoções.

Acabar. Calle Honduras, 5733, entre Bonpland e Carranza, Palermo Hollywood.

Parrilla El Primo. Calle Humboldt esquina com Gorriti, Palermo Hollywood.

PS: num próximo post, falo de uma das melhores carnes que já comi.