O boteco mais seguro do Rio de Janeiro

Demorou um bocado, mas finalmente fui conhecer o Pavão Azul, boteco localizado na esquina as ruas Barata Ribeiro e Hilário de Gouveia, em Copacabana.

Foi uma visita rápida, é bem verdade, a meio caminho entre Ipanema e o Aeroporto Santos Dumont, quarta-feira passada.

Mas com tempo suficiente para pescar, acho eu, um tiquinho da alma do bar que — diferentemente de outros botecos da Zona Sul carioca, que costumam valer-se da fortuna de sua localização como vantagem competitiva, esquecendo-se do que realmente importa: atendimento, comida e bebida.

Percebi verdade naquelas pataniscas (uma espécie de primo pobre e disforme do bolinho de bacalhau, R$ 2,30 a unidade) e no chope, servido em copo adequado (tipo Hannover, com pezinho).

Não consegui me acomodar em uma das mesas sobre a calçada, mas o garçom deu um jeito de me arranjar uma banqueta, sobre a qual coloquei copo, petiscos e porta guardanapos, quase no meio-fio. A uns 5 metros de distância, alguns clientes tomavam cerveja e conversavam, encostados nos carros parados nas vagas a 45 graus.

A uma distância ainda menor, duas freguesas trocavam segredos, copo de cerveja na mão, pernas cruzadas e cadeiras descansando sobre o capô de um carro da polícia, também estacionado ali — a 12ª Delegacia de Polícia fica ali em frente, no que deve fazer do Pavão Azul o bar mais seguro do Rio de Janeiro.

Pavão Azul. Rua Hilário de De Gouveia, 71, Copacabana, tel. (21) 2236-2381.

10 botecos (quase) à beira-mar para aproveitar o verão

Antes de mais nada, quero desejar um Feliz 2012 a todos que me leem (e também aos que não me leem).

Em segundo lugar, e indo direto ao ponto, apresento esta lista com 10 botecos e/ou bares pé-na-areia para curtir ainda neste verão, de Norte a Sul do Brasil, em capitais e cidades praianas. Capriche no protetor solar e saúde!

1. Box 32 (Florianópolis

Balcão do Box 32 / Foto: Madalena Leles

Grande atração do Mercado Público, o bar é decorado com fotos de artistas, jogadores de futebol e personalidades clicadas ali mesmo. A razão do sucesso entre forasteiros e locais é o cardápio de petiscos com peixes e frutos do mar. Arrisco dizer que num raio entre Floripa e Porto Alegre (ou Curitiba) não há bolinho do bacalhau nem pastel de camarão (com 100 gramas de recheio!) que faça frente aos que são servidos na casa.

Mercado Público Municipal, box 32, centro histórico, Florianópolis, tel. (48) 3224-5588, www.box32.com.br.

 

2. Heinz (Santos)

Heinz Bar / Foto: Leo Feltran
 
Desde 1960, época em que os poucos prédios então existentes na orla santista ainda não haviam entortado, este bar atrai gerações de fregueses fieis em busca do excelente chope, um dos melhores do país (não estou exagerando). Como vai ser impossível tomar apenas um copo, forre o estômago com uma porção de salsichão.

Rua Lincoln Feliciano, 104, Boqueirão, Santos, tel. (13) 3286-1875, www.barheinz.com.br.

 

3. Bar do Genésio (Ilhabela)

No meio do caminho entre a balsa e a vila, este botecão de esquina, simplório, merece sua visita por um único motivo: as saborosas empadinhas de camarão. Se estiver com um tempinho livre, acomode-se em uma das mesas de plástico sobre a calçada, peça uma Brahma e esqueça um pouco da vida.

Avenida Pedro de Paula Moraes, Saco da Capela, Ilhabela.

 

4. O Caranguejo (Rio de Janeiro)

O Caranguejo / Foto: Daniella Duarte

A três quarteirões da Avenida Atlântica, este bar-restaurante dispensa o marketing de similares como o Bracarense ou o Jobi. Da cozinha saem coisas seriíssimas, caso do pastel de siri, uma companhia mais que perfeita para o chopinho.

Rua Barata Ribeiro, 711, Copacabana, Rio de Janeiro, tel. (21) 2235-1249, www.restauranteocaranguejo.com.br.

 

5. Ceará Bar (Vitória)

Ceará Bar / Foto: Leo Feltran

As mesas de plásticos que teimam em escapar pela calçada em frente a este boteco cinquentão ficam lotadas quase todas as noites e nas tardes de sábado. Uma vez ali, siga os habitués e abra os trabalhos com o pastel de siri e a batidinha de pitanga.

Avenida Demerval Lyrio, 55, Mata da Praia, Vitória, tel. (27) 3327-4665.

 

6. Maria Nilza (Guaiú – BA)

Maria Nilza Rosa Soares é uma simpatia só, uma anfitriã como poucas, uma lady. Com graça e simpatia, recebe os fregueses e logo os deixa à vontade para aproveitar o mar, que está bem ali à frente. Para comer? Mais pastel de siri e moquecas preparadas no forno a lenha, simplesmente sensacionais.

Praia de Guaiú, Santo André, distrito de Santa Cruz de Cabrália.

 

7. Boteco do França (Salvador)

Boteco do França / Foto: Heudes Régis

França é Antônio França Vieira, ex-garçom que tornou-se patrão ao abrir este botecaço no Rio Vermelho, um dos bairros mais boêmios de Salvador. Não há muito segredo escondido aqui não: é só chegar, tomar posse de uma mesinha do lado de fora, pedir uma Bohemia e revezar os tira-gostos entre o bolinho de bacalhau (com massa de aipim/macaxeira/mandioca), o polvo à vinagrete, a carne de sol…

Rua Borges dos Reis, 24-A, Rio Vermelho, tel. (71) 3334-2734, www.botecodofranca.com.br.

 

8. Venezia Tropicale (Japaratinga – AL)

A Praia de Japaratinga é uma típica vila de pescadores, no meio do cmainho entre as badaladas Maragogi e São Miguel dos Milagres, no litoral norte alagoano. Os barquinhos ficam ancorados à espera da próxima saída mar adentro, a areia branca realça a cor azul esverdeada e quase caribenha da água e nada de luxos ou confortos urbanos. Literalmente pé-na-areia, este bar-restaurante-pousada administrado por um italiano de Veneza é o ponto de apoio ideal, se não foi o único, para quem quer passar o dia ali. Boa pedida: risoto de camarão, para duas pessoas.

Avenida Napoleão Rodrigues da Silva, 150, Japaratinga, tel. (82) 3297-1273.

 

9. Casa de Banhos (Recife)

O fato de ser um dos melhores lugares da capital pernambucana para ver o crepúsculo não basta para convencê-lo a passar umas boas horas por ali? Pois saiba que do bar saem boas caipirinhas e um caldinho de sururu capaz de desafiar os fígados mais resistentes. O acesso à casa se dá de duas formas: de carro, pela beira-mar de Brasília Teimosa, e de barco.

Molhes do Porto do Recife, quilômetro 1, Brasília Teimosa, Recife, tel. (81) 3075-8776.

 

10. Espetinho do Pedro (Natal)

Espeto do Pedro/ Foto: Luis Morais

Ok, os espetinhos são a especialidade da casa. Mas o programa ideal pode até dispensar a, digamos, iguaria. Poucas sensações neste mundo são mais prazerosas do que entregar-se ao ócio em um das mesas dispostas sob os dois pés de algodão-do-pará que dão sombra ao bar. Acha que pegaria mal dar uma bandeira dessas? Chame o garçom, peça uma gelada e agradeça a Deus por estar ali. 

Avenida Brigadeiro Gomes Ribeiro, s/nº, Morro Branco, Natal, (84) 9471-2854.

O Jabuti e os frutos do mar

O balcão do Jabuti / Foto: Gustavo Lourenção

Caramba!, perdi mais uma vez a chance de esclarecer um mistério: se a especialidade da casa é o cardápio de petiscos e frutos do mar, por que o boteco se chama Jabuti?

Pois é, depois de sair da fisioterapia – aliás, a quem interessar possa: nesse interlúdio em que o blog ficou fora do ar, quebrei o tornozelo esquerdo em uma partida de futebol, ganhei uma placa com 11 pinos e mais quatro parafusos -, ontem à noite combinei de tomar um chopinho com um amigo. Como estávamos na região da Vila Mariana, fomos ao Jabuti.

Meu amigo, que é carioca, não conhecia esse botecão. Logo deu seu parecer: “ixto aqui pariéce demaix com os botecox do Rio, de Copa, né não?, tipo o Caranguejo, ali péarrrto do metrô Cantagalo.”

Concordei e disse mais: o Jabuti me remete muito às marisqueiras lisboetas, como o fantástico restaurante Ramiro, e tantas outras casas do gênero espalhadas por Portugal.

Sobre marisqueiras, é bom lembrar, fiz aqui mesmo neste blog uma comparação rápida entre as amêijoas de Portugal e os berbigões que comi na Marisqueira Sintra, em Florianópolis (leia aqui).

Para quem se lembra, o Jabuti é a cara do santista Mar del Plata, da Ponta da Praia, antes da reforma que o deixou “moderno”. O salão envidraçado, fora de moda, é preenchido com mesas e cadeiras simplérrimas. No fundo do salão, sobre o balcão também de vidro, as travessas exibem as porções de polvo, ostra, lula, sardinha, atum e salmão (escabeche e/ou à vinagrete), sem contar os bolinhos de bacalhau enroladinhos, à espera de irem à frigideira.

No canto direito, fica a chopeira. A turma da casa costuma tirar o chopinho à moda carioca, com pouco colarinho, mas não se importa caso você reclame pelos três dedos regulamentares.

Aí é que mora o perigo: você toma três ou quatro copos e esquece de esclarecer com o garçom a dúvida cruel sobre o nome do bar.

Tudo bem, fica para a próxima vez.

Jabuti. Rua Conselheiro Rodrigues Alves, 1315, Vila Mariana, tel. 5549-8304.

Todos por um

Fotos: Rômulo Fialdini
“Original, histórias de um bar comum” é, por assim dizer, o próximo item a ser incorporado ao cardápio do bar que já nasceu um clássico, não só pelas homenagens que desde sempre prestou aos célebres botecos de São Paulo e do Rio mas também por que é um honrado discípulo de todos eles. Trata-se de um livro de autoria do jornalista atleticano Nirlando Beirão, com fotos de Rômulo Fialdini e prefácio do publicitário Washington Olivetto. “Nosso propósito principal é devolver ao universo dos bares e botequins uma dosezinha de tanto o que dele temos absorvido nesses últimos 11 anos”, conta Edgard Bueno da Costa, um dos proprietários do bar e um dos pais da idéia.

No livro – ainda no prelo, com lançamento previsto para agosto de 2007, mas do qual este blog antecipa um aperitivo com exclusividade –, Beirão conta a vida de um, o Original, a partir de passagens curiosas de personagens bons de copo em alguns dos melhores bares do mundo. A quem se encanta por histórias assim, é um texto de arrepiar. Quero dizer, só poderia ter sido escrito por um globetrotter dos balcões como Nirlando que, sim, esteve em todos eles, a começar pelo mitológico Harry’s Bar, de Veneza, citado no trecho a seguir.

“Personagem do Harry’s Bar, tanto na ficção quanto na realidade, Ernest Hemingway vai freqüentar muito este nosso livro, a partir de agora – ainda que muitas vezes trôpego, fazendo ziguezague, sempre de ressaca.
Hemingway era um homenzarrão de quase dois metros de altura e compleição de atleta, o que lhe dava ampla vantagem no que dizia respeito à capacidade de armazenar álcool – bourbon e gin sendo os seus favoritos.
Já era um escritor de fama quando veio se juntar, na Europa do pós-guerra (a Primeira Guerra, bem entendido), àquela legião cigana de norte-americanos que, beneficiados pelo dólar favorável, sonhavam em ver seu talento artístico desabrochar de repente ao pé da Sainte Chapelle ou sob a inspiração do sol de Cap d’Antibes. Como passaram à história como lost generation, geração perdida, é legítimo supor que o sucesso deles foi relativo.
Hemingway, não – foi tão bom na máquina de escrever quanto de copo na mão e deixou para a posteridade uma trilha em que o álcool coincide com o talento. Na Espanha que ele percorreu com regularidade nos anos 1930 e 1940, insuflado por mais uma de suas bandeiras de virilidade, as corridas de touro, até muito recentemente não havia um botequim digno do nome que não tivesse, a um canto, uma cadeira ou uma mesa que dissesse: aqui bebeu Ernest Hemingway. Em geral, era verdade.
Na Paris de uma époque que já não era tão belle, foi na Closerie des Lilas, em Montparnasse, que ele fez o ninho dele e até hoje rebanhos de japoneses sobem lá dos Jardins du Luxembourg para registrar em suas câmeras o mito na forma de um café-restaurante agora caríssimo e na verdade medíocre.
Mas Hemingway foi o supra-sumo do boêmio, daqueles que fazem a reputação de qualquer lugar pela sua simples presença ali. E, lá na esquina de Montparnasse com o Quartier Latin, ele ainda contava com um impressionante elenco de apoio, os ciganos da literatura com sotaque americano. Uma vez, deixou que se sentasse à sua mesa o dândi Ford Maddox Ford – que ele odiava. Ford perguntou:
– O que você está bebendo?
– Conhaque – respondeu Hemingway.
– Não sabe que começar a beber conhaque é fatal para um jovem escritor?
– Ah, é? Você bebe sempre? Não é sempre que eu bebo.
Hemingway não era dado a sutilezas, mas dessa vez saiu. Em Paris é uma festa (memória que cobre o período entre 1921 e 1926), ele conta que a Closerie des Lilas era conveniente por vários motivos: ficava perto de casa, era bem aquecida, tinha um agradável terraço para o verão e a primavera e não haveria nenhum perigo que aparecesse por lá aquela gente do Rotonde, do Dôme e da Coupole, vizinhos de arrondissement, onde os frívolos iam buscar – como fazem os atuais colunáveis – “uma migalha de imortalidade”.
Já no Closerie era possível ver o poeta Blaise Cendras, “com sua cara quebrada de boxeador e a manga vazia do paletó voltada para cima e presa com alfinetes, enrolando um cigarro com a mão que lhe sobrava”. E, é claro, a bordo de sua tresloucada Zelda, o magnífico Scott Fitzgerald, a quem Hemingway, porém, por puro ciúme profissional, jamais quis ceder o mérito de protagonista.
Com aquela macheza truculenta com substrato de sadismo, Hemingway explorava as inseguranças literárias de um autor que, no entanto, era muito mais requintado do que ele; humilhava Scott, fazia-o sofrer. Quando ficou claro quem era a autêntica estrela das letras, ali, o grandalhão Ernest desafiou o frágil Scott para um tira-teima lá no banheiro do tipo quem é o mais bem-dotado. A história não registra quem saiu vencedor. Mas há uma pista: ao contrário do fanfarrão Hemingway, Scott seria incapaz de alardear publicamente uma coisa dessas.
Entre a Europa e a América, Hemingway bebeu um oceano. Mas o Harry’s Bar – que ele ajudaria a eternizar – só em 1950, depois da Segunda Guerra, é que ganharia dele o privilégio literário. E, em Across the river and into the trees, não mais como cenário, mas na condição de protagonista tão importante quanto o coronel Richard Cantrell, alter ego do escritor, criatura dilacerada entre o amor por uma jovem condessa italiana e a culpa por ter executado 122 inimigos na guerra – episódio que, sabe-se agora, é cruelmente autobiográfico.
Enquanto se encharcava de negrone e dry martini no aconchego dos Cipriani, Cantrell-Hemingway balbuciava com seus botões: “Eu sou um porra de um felizardo e nunca deveria ficar triste por nada”. E, de novo, mergulhava na melancolia, a cantoria dos gondoleiros, lá fora, impregnando a alma junto com os odores desagradáveis da laguna.
Também naquela Cuba em que se refugiaria na década de 1950, em busca da paz para escrever e de marlins para pescar, o bar era seu lar. Recorria aos mojitos da Bodeguita del Medio com sede de retirante, freguês de carteirinha, assíduo e de língua solta. De vez em quando, revezava com La Floridita, onde o forte eram os daiquiris. Tinha um quarto no hotel Ambos Mundos e uma pequena mesa de trabalho que lhe batia no peito e era ali que ele batucava sua Remington, sempre de pé, descortinando a entrada fortificada do porto de Havana. Quando a inspiração secava, Papa Hemingway saía para umedecer o paladar.
Sua escrita era destilada, com punch de armagnac. Mas falava tanto de bebida que não há leitor que não saia de suas páginas trocando as pernas, inebriado. De mais a mais, o superboêmio Hemingway não dá dor de cabeça no dia seguinte.”
Trecho inédito de “Original, histórias de um bar comum”, de Nirlando Beirão

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5093-9486. http://www.baroriginal.com.br/